O Portugués Esquecido – O Galego e os Dialectos Portugueses Setentrionais é um livro que revela como os chamados dialetos portugueses setentrionais – os de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, e mesmo os falados mais a sul, na maior parte das Beiras – conservaram traços da relativa unidade linguística que existiu até aos seculos XIV-XV nas duas margens do rio Minho, ao longo da faixa ocidental peninsular. São características que resistiram à censura dos centros de decisão política, onde se elaborava a língua literária e administrativa de Portugal. Com efeito, como se assinala na contracapa «os gramáticos, lexicógrafos e tratadistas da metrópole lisboeta combatéronas enerxicamente xa desde os inicios da tradición gramatical portuguesa no século XVI»; mas o exame do muito que Leite de Vasconcelos (1858-1941) deixou escrito permite concluir que esses elementos «até aos anos finais do século XIX ou primordios da seguinte centuria e, nalgúns casos, inclusive se mantiveron na nosa época».
Xosé Manuel Sánchez Rei é professor titular na área de Filologia Galega e Portuguesa da Universidade da Corunha e tem dedicado a sua investigação à gramática galega e à variação linguística. O livro que este autor apresenta teve a sua 1.ª edição em 2021, à qual se seguiu pouco depois, em 2022, uma nova edição. É obra constituída por uma introdução (limiar), cinco capítulos e conclusões.
Dos cinco capítulos, os dois primeiros dão conta da relação íntima dos dialetos setentrionais portugueses com os dialetos galegos que a fronteira política secular ainda não conseguiu quebrar, conforme os estudos de Leite de Vasconcelos permitem constatar. Os outros três capítulos – um dedicado a aspetos fonéticos e fonológicos, outro às características morfossintáticas e o terceiro incidindo nas questões semânticas e lexicais – concretizam com numerosos exemplos a profunda afinidade dialetológica do norte de Portugal com a Galiza. São casos, no plano da fonia, o betacismo (a chamada troca do v pelo b) ou a conservação da africada palatal surda historicamente representada por ch (o "tch", que leva a dizer "tchave", em vez de chave) e do ditongo ou (ouro, deixou). Relativamente à flexão nominal e verbal, a terminação -om, õu ou -o (coraçõu ou coraçom, e fizerõu ou fizero) converge de algum modo com a forma -ón do galego; e, em lugar de uma, cabe também registar ũa, arcaísmo ainda audível no contacto com falantes do Norte e que se mantém no galego com a grafia unha. No âmbito lexical, avulta um sem-número de palavras e expressões: cenreira («teimosia, birra», que em galego é xenreira, «aversão»), dondo («mole, sem consistência», também atestado em galego como dondo, «suave ao toque») ou «à beira» («junto de», e escrito á beira na Galiza) – entre muitas outras. À luz da norma-padrão portuguesa, o que acaba de se enumerar são usos marginais, hoje em vias de desaparecimento, dado o fenómeno de nivelação linguística com base no padrão criado no chamado eixo Coimbra-Lisboa, entre as classes detentoras de diferentes formas de prestígio. Mas são jeitos de pronunciar, de construir frases, que fazem a ponte para o rico património, muitas vezes de arraigo rural, que o galego ainda exibe.
Trata-se de um lançamento das Edicións Laiovento, que tem tido uma ação notável na aproximação cultural entre a Galiza e Portugal. O livro (619 páginas) está escrito em galego, na norma oficial, mas Sánchez Rei adota soluções morfológicas e lexicais próximas do padrão linguístico de Portugal, assim facilitando a leitura ao público lusófono. O Português Esquecido é, portanto, um estudo precioso, recheado de palavras hoje incomuns – pelo menos, para quem vive no Portugal litoral urbanizado –, desenvolvido numa perspetiva de dialetologia histórica. É, pois, uma proposta que completa outras também recentes, de revisão da história do português, como são, por exemplo, O Galego e o Português São a Mesma Lingua? (2019), de Marco Neves, ou Assim Nasceu uma Língua (2019), de Fernando Venâncio (ver apresentações destas duas obras também na Montra de Livros).
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