Apesar de uma separação política com praticamente 900 anos, a verdade é que, para surpresa de muitos, continuam muito fortes os laços linguísticos e culturais dos países de língua portuguesa com a Galiza. No espaço ibérico essa relação é especialmente notória na toponímia, que, com as inevitáveis variações locais, associa o norte de Portugal às atuais províncias galegas. Mas é nos territórios para onde os dialetos galego-portugueses se expandiram que os apelidos dão testemunho da vitalidade dessa herança.
Tal é o enquadramento da proposta de recuperação e valorização do património onomástico galego-português que encerra este livro escrito por Diego Bernal Rico e publicado pela Através Editora, sediada em Santiago de Compostela. O autor adota a ortografia reintegracionista, de aproximação ao português, opção a que dá relevo o prefácio do tradutor e académico Marco Neves, grande divulgador de temas linguísticos, entre eles, o da relação do galego com o português, quando diz (p. 15): «Não sabemos nós, em Portugal, a sorte que temos em haver tantos galegos empenhados em estudar a língua – a nossa língua. Uma boa resposta nossa poderia ser uma maior atenção ao que se escreve a norte da fronteira – sobre língua e não só. Este livro é um bom ponto de partida.»
É, portanto, de um autêntico guia que se trata, quando depois do prefácio, em secção introdutória (intitulada «Boas-vindas ao nosso museu»), o autor convida o leitor a abrir «o misterioso baú dos apelidos» (p. 19). Seguem-se nove secções dedicadas a noções elementares dos estudos de onomástica e a aspetos da história da antroponímia galego-portuguesa, encarada na perspetiva da Galiza (pp. 20-50).
Vem depois uma seleção de apelidos galego-portugueses agrupados em seis grandes categorias definidas em função da sua origem: os apelidos patronímicos, que evoluíram dos nomes paternos (patronímicos) medievais, como Álvares, Mendes ou Pais (pp. 51-84); os apelidos toponímicos (pp. 85-108), isto é, resultantes da conversão de topónimos, como Castro (caso de Fidel Castro), Fraga, Gândara ou Paços (em Portugal, frequentemente escrito como Passos – como é o caso de Pedro Passos Coelho); os apelidos fitonímicos (pp. 109-145), cujo uso se desenvolveu de nomes botânicos – por exemplo, Carvalho, Oliveira, Pereira, Silva ou Souto (em geral, «bosque de castanheiro»); os nomes cognomínicos (pp. 149-160), originários de alcunhas (Branco, Preto, Salgado, Velho); os apelidos zoonímicos (pp. 161-185), que provêm dos nomes comuns de animais, como sejam Coelho, Pato, Pombo, Raposo, Sardinha e Vieira; e os apelidos ergonímicos (pp. 187-197), decorrentes de nomes de atividades profissionais e cargos – Chaves («fabricante ou vendedor de chaves»), Feijó («vendedor de feijão, mas talvez também alcunha, pela metáfora de feijão em alusão a pessoa calva ou com algum sinal especial) ou Machado («fabricante/vendedor de machados»). Cada um dos artigos é acompanhado de dois apartados com informação adicional, sob os títulos "Sabia que...?" e "Dica linguística", este associado a explicações e recomendações claramente alinhadas com as opções do movimento reintegracionista galego.
Este pequeno mas precioso volume remata com uma secção de índices (índice onomástico e índice de pessoas) e a bibliografia. As ilustrações de Maurício Castro, com o seu colorido forte, impressionista, são outra mais-valia do livro.
Enfim, uma obra que reflete um fundo compromisso afetivo e político com a língua galega, a sua história e o seu futuro, que pode ou deve também interessar a quem queira conhecer melhor nomes supostamente exclusivos da área linguística do português.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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