Em quantas e variadas formas se pode expressar a língua portuguesa?
Que diferentes significados pode assumir uma palavra pronunciada em diferentes pontos de um mesmo país? É sobre esta questão – a diversidade linguística – que o professor e escritor João Carlos Brito se tem debruçado na sua produção literária, ao longo do tempo.
Um dos mais recentes resultados desse trabalho é o livro Em Português nos [Des]entendemos (Porto Editora).Título original de um dos módulos do conhecido magazine televisivo Cuidado com a Língua!, é aproveitado pelo autor para lembrar o mesmo: os falantes da língua portuguesa nem sempre se entendem, devido ao desconhecimento da diferença de termos e expressões usadas em várias regiões do país.
Em dez capítulos, numa “viagem” do Minho ao Algarve, passando pelos Açores e Madeira, o livro esmiúça uma série de expressões regionais e populares, como o devido significado e contexto histórico.
«Cada capítulo apresenta palavras e expressões por ordem alfabética, selecionadas tendo em conta diversos critérios, como a frequência de uso pelos respetivos falantes, o caráter identitário ou as histórias que têm para contar no campo da etimologia e da etnografia» escreve o autor, na introdução.
As diferentes expressões muito utilizadas numa determinada zona do país podem ser totalmente desconhecidas noutras. Os exemplos abundam. Em Lisboa, poucos saberão o que significa begueiro, palavra usada no Minho para denegrir alguém como «palerma», «tolo ou «burro».
No distrito de Castelo Branco a «roupa de bebé» é designada como jaja, e, no Alentejo, aventar significa «deitar fora».
Já no Algarve, feniscadinho é «aquele que é muito magro, fraco e débil» e dar de vaia significa «cumprimentar» ou «acenar».
Bem conhecidas pelos lisboetas são as palavras calhandreira ou calhandrice, usadas para referir «bisbilhotice». A sua origem está nos tempos em que os calhandreiros (profissão que existia até aos finais do século XVIII) juntavam os dejetos, fezes e urina e outros lixos de cada casa num calhandro (vaso alto e cilíndrico) para os despejar em local apropriado. «Este era um serviço prestado principalmente às famílias mais abastadas, e diz-se que os calhandreiros e as calhandreiras aproveitavam o serviço e o acesso à intimidade dos VIP da época para ‘dar muito à língua’, contando e bisbilhotando tudo o que se passava nas casas da gente rica. Desta forma, a expressão bem lisboeta calhandrice ficou imortalizada até aos dias de hoje», escreve o autor.
O livro transporta-nos também para as falas das gentes das ilhas. No arquipélago da Madeira, só os funchalenses conseguem decifrar o significado da palavra chimeco. João Carlos Brito explica: «A palavra tem origem no inglês shoemaker, “aquele que faz sapatos” ou, em português mais corrente, “sapateiro”. Foi um artífice de sapatos que teria, há várias décadas, colocado essa inscrição no seu estabelecimento no Funchal. Como o indivíduo em questão era muito pequeno, os madeirenses terão começado a chamar “chimeco” às pessoas de baixa estatura, aportuguesando o som shoemaker e aproveitando o termo meco, que também remete para um objeto ou pessoa de pequena dimensão.»
E quando os madeirenses dizem que alguém «tem o rabo bem atochado»? Não, não estão a fazer nenhuma insinuação de cariz sexual, explica o autor. Estão «apenas a congratular-se (ou a roer-se de inveja) por outra pessoa estar bem na vida, por ter conseguido alcançar os seus objetivos, sobretudo numa perspetiva económica.»
Quanto aos Açores, «estão plenos de besugas, dizem os insulares, com evidente satisfação e orgulho». E não estão a referir-se ao peixe, mas sim às mulheres: «Para um açoriano, besuga é uma mulher atraente, sensual e bonita, e a palavra nada tem de insultuoso. Bem pelo contrário, é um rasgado elogio a quem o recebe e não tem contacto algum com ´canhão’, que é outro atributo que pode descrever uma mulher, mas este, sim, é pejorativo e na maior parte das vezes significa “mulher da má vida”, “prostituta”».
Como bem assinala João Carlos Brito, «uma das grandes vantagens de tentar reavivar os regionalismos é (re)descobrir a essência da nossa língua e constatar que, não raras vezes, na boca dos mais antigos das zonas mais rurais ainda permanecem palavras e expressões do português arcaico, extraordinariamente ricas». E exemplifica uma vez mais: «Na parte baixa das Beiras, uma expressão que ainda se ouve dos mais velhos é “ter fidúcias.”(…) Ter fidúcias é ‘envaidecer-se, mostrar vaidade’ (…) Porém, é no sentido pejorativo que as pessoas mais a utilizam, caraterizando um comportamento vaidoso, de presunção ou vaidade.»
Em Português nos [Des]entendemos, pelo significativo trabalho de investigação que alardeia, é um contributo para o melhor conhecimento da língua portuguesa e das influências que tem recebido ao longo do tempo.
Apoiada numa diversificada bibliografia, esta obra é ainda valorizada pelo índice remissivo que “guia” o leitor na consulta das várias expressões nele incluídas.
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