Autor do Lugares e Palavras do Porto (2014) e Dicionário de Calão do Porto (2016), João Carlos Brito retoma com este novo livro o seu trabalho de recolha do léxico dos dialetos portugueses, sobretudo os setentrionais. A sua atenção vira-se agora um pouco mais para norte, para a antiga província do Minho, que hoje corresponde aos distritos de Viana do Castelo e Braga.
Trata-se de um pequeno dicionário de cerca de 100 páginas que compreende uma “Introdução” e, logo depois, a nomenclatura, que reúne para cima de um milhar de entradas ordenadas alfabeticamente, das quais perto de 30 constituem artigos mais desenvolvidos, sempre numa linguagem acessível ao grande público. A capa evoca os tradicionais lenços de namorar e os seus típicos erros ortográficos acompanhados de alguns traços dialetais. Temos, portanto, o betacismo: «bai-me à benda», em lugar de «vai-me à venda» (venda = loja), com troca do “v” pelo “b” e “chuiba”, que ostenta o ditongo “ui” e pressupõe a forma “chubia” ou “chuvia” (que é a galega), do latim pluvia, com metátese (troca de posição vocálica) da vogal “i”. Também aí aparece a construção «com nós», em lugar de connosco, e vários itens lexicais que são característicos dos distritos em referência.
Note-se que grande parte dos itens recolhidos não é exclusiva do calão ou da linguagem popular da região do Minho. Assim, expressões como «apertar os calos», «baixar a bola», «cheirar a esturro», «dar uma lambada» «estar varado» ou «meter o bedelho» são exemplos de expressões idiomáticas de grande informalidade que se dizem e se ouvem um pouco por toda a parte em Portugal. Também não se pode dizer que se trata de um livro exclusivamente dedicado ao calão; na verdade, inclui muitas palavras simplesmente identificáveis com os registos informais, sem terem associado a dupla vertente de insulto e imprecação, funções marcadas pelas palavras desse nível. O próprio autor reconhece isso no subtítulo, a que regressa na Introdução, quando enumera as áreas lexicais abordadas. Encontram-se, não obstante, muitas entradas mais típicas do Minho, ou, numa perspetiva mais lata, do Entre Douro e Minho: alumiar («referir»), brolho («bagaço»), cambulha («quantidade desordenada»), embudo ou imbude («funil»), isso-tô rola! («era o que faltava!»), germindade («parentesco»), presigo («comida principal do almoço ou jantar»).
Salientando a diversidade lexical do Minho, João Carlos Brito atribui essa variação aos diferentes condicionamentos naturais e às diferentes influências culturais destas regiões. Estranha-se, no entanto, que na Introdução se fale na influência de Espanha, mas não se mencione a Galiza, com o qual o Minho guarda laços linguísticos ancestrais. Curiosos são igualmente os comentários a certas palavras: por exemplo, regista-se a palavra bouça, «terreno para se deixar crescer mato», dando-a como proveniente do galego bouza (p. 21), quando mais adequado seria considerar que ambas as formas são cognatas – ou até variantes – e fazem parte do fundo lexical galaico-romano, que tanto o galego como o português ainda hoje mantêm.
Em resumo, um livrinho que é um repertório de usos lexicais dos falantes minhotos na comunicação informal e que merece a atenção de quantos se interessam pela variação regional do português europeu. Sem pôr em causa a sua utilidade e o potencial para ser aumentado, cabe sugerir a revisão de alguns aspetos tratados mais apressadamente, de modo a corrigi-los e enquadrá-los melhor, sem perder de vista o essencial e louvável intuito de divulgação que lhe é inerente.
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