«(...) É inevitável e natural que uma variedade nacional do português tenha emergido em Angola, conhecendo um número significativo de trabalhos descritivos, mas carecendo de codificação sistemática. (...)»
A 11 de novembro de 1975 foi declarada a independência de Angola. Angola é o segundo maior país de língua oficial portuguesa e esta língua tem vindo a crescer em número de falantes, como língua segunda e materna, nas últimas décadas, particularmente desde o final da guerra civil (1975-2002). De acordo com os dados dos censos de 2014, a República de Angola tinha 25 789 024 de habitantes, 52% dos quais mulheres; 47,3% dos habitantes tinham até 14 anos de idade e a idade média da população era de 20,6 anos.
De acordo com o art.º 19.º da Constituição da República de Angola (2010), «1. A língua oficial da República de Angola é o português» e «2. O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola, bem como das principais línguas de comunicação internacional». A alínea n) do art.º 21.º inclui entre as tarefas fundamentais do Estado a de «Proteger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem africana, como património cultural, e promover o seu desenvolvimento, como línguas de identidade nacional e de comunicação».
Não se define, porém, quantas e quais são efetivamente «as línguas angolanas de origem africana» e, mesmo o presidente do Instituto Nacional das Línguas de Angola, em entrevista de 30 de outubro de 2022, se reportava aos dados de 2014 para falar do assunto. Nestes, são referidas LINK dez línguas, além do português: umbundo, quicongo, quimbundo, chócue, nhaneca, ganguela, fiote, cuanhama, muhumbi e luvale.
Não existe consenso sobre qual é ou deveria ser a política linguística do Estado relativamente a estas línguas, e.g. no que respeita ao seu papel no sistema de ensino, onde só o português é usado a nível nacional. A indeterminação não contribui decerto para o prestígio e a vitalidade destas línguas, que poderão perder muitos dos seus falantes.
Os dados de 2014 apresentavam a língua portuguesa como a mais falada no país, por 71% da população (o umbundo era-o por 26,9%), sobretudo nas áreas urbanas. Calcula-se que atualmente o português seja falado por uma percentagem ainda maior de pessoas e que tenha crescido como língua materna. O aumento de falantes de português leva inevitavelmente à sua nativização, processo comum ao português de Moçambique. É inevitável e natural que uma variedade nacional do português tenha emergido em Angola, conhecendo um número significativo de trabalhos descritivos, mas carecendo de codificação sistemática e reconhecimento explícito das autoridades do país, que, tacitamente, entendem o português europeu como norma nacional.
Esta situação tem efeitos muito negativos ao nível educativo, pois o fosso existente entre a variedade efetivamente falada por estudantes (também por professores e autoridades) e a reconhecida como norma e modelo de língua (a falada em Lisboa pelas classes média e alta da população, em contextos formais) é cada vez mais profundo.
Segundo dados atuais, a população angolana é hoje de mais de 35 milhões de habitantes, a idade média terá descido para 17,6 anos de idade e a previsão da ONU (2022) é de que a África subsariana seja, a partir de 2060, a região mais populosa do mundo. Para que Angola possa fazer jus a tão extraordinário crescimento populacional e tornar-se referência para a CPLP e o Mundo, é necessário que esse crescimento seja acompanhado de proporcional crescimento do índice de desenvolvimento humano. A planificação e as políticas linguísticas do país terão de estar à altura da importância crescente do país.
Cf. Expressões de Angola + Kwadi: uma língua perdida de Angola com uma história para contar
Artigo da linguista e professora universitária Margarita Correia, transcrito, com devia vénia, do Diário de Notícias de 7 de novembro de 2022.