«Para João Gaspar Simões a soberania literária angolana era irrecusável, já na década de 60 do século XX.»
Há um outro acontecimento que, no contexto colonial do século XX, confirmava a autonomia da gramática literária do português angolano. Em 1965, a polícia política portuguesa baniu o prémio de novela atribuído a Luuanda, obra de Luandino Vieira, e encerrou a Sociedade Portuguesa de Escritores. O crítico literário português João Gaspar Simões, a única voz dissonante, entre os membros do júri, votou contra a decisão de atribuição de um prémio português a uma obra literária angolana. Ele justificava a sua posição destacando o falar dos muceques, o falar das personagens, o kimbundu e semelhantes linguajares –, que é o de Luuanda –, o falar das personagens e o falar do próprio autor das estórias da gente desses muceques[*].
Dizia tratar-se de um idioma diferente. Considerava-o como um falar regional, o falar de um povo que atingiria diferenciação. Para João Gaspar Simões a soberania literária angolana era irrecusável, já na década de 60 do século XX. Por isso, a linguística da literatura angolana continuará a ser uma fonte inestimável para legitimar o português angolano.
O sucesso da tarefa dependerá de uma abordagem abrangente que se traduza simultaneamente em estudos científicos, por um lado, de padronização das línguas nacionais angolanas e sua harmonização no contexto regional da África Central e África Austral, especialmente, para as línguas transfronteiriças e, por outro lado, da literatura angolana e da língua portuguesa nas várias dimensões em que se analisa a gramática do texto e a gramática da língua.
[Ler também os textos associados: "O problema da variedade angolana do português" e "Defender a soberania epistemológica".]
[* N. E. – Mantém-se a forma muceque, apesar de estar mais generalizada a grafia musseque, designação corrente dos «bairros suburbanos de Luanda ocupados por população com menos recursos», embora também se trate de palavra referente aos «terrenos arenosos à volta da cidade de Luanda» (cf. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa). Contudo, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa regista também muceque, como variante de musseque; o Dicionário Houaiss igualmente regista as duas grafias, mas assinalamuceque como forma não preferencial de musseque. O vocábulo tem origem no quimbundo mu seke, «local arenoso» (cf. Dicionário Infopédia e Dicionário Houaiss).]
Artigo publicado no Jornal de Angola no dia 23 de junho de 2020. Escrito de acordo com a norma ortográfica de 1945.