«Os okupas estão de volta», «Marina Gonçalves. A ministra que vai criar uma nova geração de okupas» e «Os apoiantes dos okupas e a lei do mais forte» são títulos de notícias que têm feito manchetes nos últimos tempos em Portugal.
De facto, a crise da habitação, em pleno século XXI, é real – os preços dos (poucos) imóveis disponíveis para arrendamento ou venda estão impraticáveis e as taxas de juro dos créditos feitos à habitação dispararam, apanhando muitos de surpresa – e tem levado a que o movimento okupa, que surgiu nos anos 60 do século XX e se caracterizava pela ocupação de edifícios abandonados para a instalação de centros de resistência cultural, esteja a ganhar novamente vida. Agora, claro, mais do que centros de resistência cultural, os okupas procuram casas para viver. É real que muitos indivíduos ocupam uma casa que não lhes pertence e que se encontra abandonada não como gesto de resistência consciente, mas sim como ato de desespero por encontrar habitação; são, assim, okupas sem saberem que o são.
Mas, pondo de parte questões políticas e sociais, a questão que aqui se levanta é se, em vez de apelidarmos de okupa estas pessoas e este movimento, grafando o substantivo/adjetivo com k, não os podemos designar de ocupa, ou seja, com a grafia que cabe a esta forma do verbo ocupar que se converteu num nome. Na verdade, é com c que ocupa tem registo, por exemplo, no dicionário da Porto Editora em linha:
«Ocupa: relativo a movimento político e social que defende que as casas ou os locais abandonados devem poder ser ocupados por outros que não os seus legais proprietários, a fim de servirem objetivos habitacionais, culturais, etc.»
Recorde-se que, apesar de o k fazer parte do alfabeto da língua portuguesa desde o Acordo Ortográfico de 1990 (ver Base I), só com grandes restrições se escreve esta letra:
«a) Em antropónimos/antropônimos originários de outras línguas e seus derivados: Franklin, frankliniano; Kant, kantismo; Darwin, darwinismo; Wagner, wagneriano; Byron, byroniano; Taylor, taylorista; b) Em topónimos/topônimos originários de outras línguas e seus derivados: Kwanza, Kuwait, kuwaitiano; Malawi, malawiano; c) Em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; K-potássio (de kalium), W-oeste (West); kg-quilograma, km-quilómetro, kW-kilowatt, yd-jarda (yard); Watt.»
Por esta razão, justifica-se que se escreva ocupa em lugar de okupa, forma espanhola1 que tem entrada nos dicionários desta língua com o mesmo significado em português. Acredita-se que ocupa não gerará estranheza no teor do texto onde surja nem o tornará incompreensível a quem lê, se aí não encontrar a grafia okupa.
No entanto, não sendo o uso de okupa de descartar, impõe-se, para isso, dar-lhe tratamento especial e escrevê-lo em itálico ou entre aspas, já que é termo estrangeiro. Foi como se fez na notícia do Sapo: «Saíram de casa e quando voltaram deparam-se com "okupas". Ocupações ilegais em Espanha aumentam».
1 Note-se que, em espanhol, okupar, termo aqui tratado, com k, é grafia alternativa a ocupar. A letra k é a letra que reflete a vontade de transgressão das normas ortográficas, de acordo com o Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Espanhola (RAE). A ortografia do espanhol permite que se escrevam com k alguns termos que designam realidades surgidas em âmbitos juvenis ou contestatários, como sinal de inconformismo. É o que acontece com okupa e okupar, palavras relativas à ocupação de casas desabitadas sem consentimento dos proprietários, ou bakalao, para referir certo tipo de música eletrónica (cf. Ortografía de la Lengua Española, norma publicada pela RAE). Veja-se ainda, o que é dito na Fundéu RAE.