« (...) Em muitas línguas, os verbos referentes a «esperar» estão semanticamente ligados ao ato de olhar (...).»
O verbo esperar tem vários significados em português. Pode-se esperar um ônibus, uma promoção no emprego ou um milagre. A cada um dos significados desse verbo corresponde um substantivo diferente. No caso do ônibus, temos espera; no da promoção, expectativa; no do milagre, esperança.
O verbo esperar proveio do latim sperare, derivado de spes, «esperança», e teve como derivados espera e esperança. Já expectativa veio do latim expectare ou exspectare, formado de ex‑, «para fora», e spectare, «assistir, olhar» (daí, os nossos espectador e espetáculo). Significava «olhar de longe, de fora», mas podia significar também «olhar para fora», como quando se olha pela janela à espera de alguém.
De fato, o latim fazia distinção entre sperare, «ter esperança», e exspectare, «ter expectativa» ou mesmo «aguardar». Essa distinção se conservou em algumas línguas irmãs do português, como o francês espérer x attendre e o italiano sperare x aspettare. As línguas germânicas também fazem tal distinção: por exemplo, o inglês to wait x to expect x to hope.
A diferença entre espera, expectativa e esperança é o grau de certeza que temos de que algo aconteça. A espera se dá por algo ou alguém que temos certeza de que virá, como o ônibus, por exemplo. A expectativa se refere a algo provável, mas não totalmente certo, como a promoção no emprego. Finalmente, a esperança recai sobre algo bastante improvável, como um milagre ou o fim da corrupção e da impunidade no Brasil.
Em muitas línguas, os verbos referentes a «esperar» estão semanticamente ligados ao ato de olhar, como em exspectare, derivado de spectare. O nosso aguardar provém de um verbo germânico *wardon, que queria dizer justamente «olhar, vigiar». Tanto que «olhar» é regarder em francês e guardare em italiano. E, em português, guardar algo é manter sob vigilância (provavelmente para que não suma ou não roubem). Por essa mesma razão, o policial que vigia as ruas é chamado de guarda.
Apontamento da autoria do linguista brasileiro Aldo Bizzocchi, transcrito, com adevida vénia, do blogue Diário de um Linguista, de 10 de julho de 2023.