A expressões idiomáticas são formas de expressão próprias de uma língua que refletem a sua riqueza, uma vez que é através delas que se transmitem as muitas referências culturais de uma determinada comunidade linguística. Este tipo de construções é também o reflexo das potencialidades criadoras da língua, uma vez que, segundo António Nogueira Santos na sua obra Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas, «demonstram eloquentemente a riqueza das suas imagens, a originalidade das suas metáforas, a variedade e maleabilidade das suas formas estruturais»1. No fundo, as expressões idiomáticas são construções que devem ser encaradas como um todo, sendo que o seu significado se situa num plano abstrato, diferente do literal. Por exemplo, quando um determinado falante diz que está com a corda no pescoço, tal não significa que tenham uma corda atada no seu pescoço, mas apenas que está a atravessar por uma situação desesperada.
Apesar de não haver unanimidade por parte dos investigadores quanto à definição deste tipo de estruturas linguísticas, a maioria aponta para traços comuns inerentes a estas construções, como a idiomaticidade (que consiste no conjunto de palavras cujos elementos se encontram intimamente ligados) e a impossibilidade de decompor o seu significado. Por exemplo, na expressão chover a potes, ao decompor-se nos seus constituintes chover + a + potes, todo o sentido da expressão (que significa «chover muito») se perderia, ao mesmo tempo que causaria uma certa estranheza aos falantes. A dificuldade que existe em encontrar uma definição para o termo expressões idiomáticas que seja consensual entre os estudiosos que se ocupam desta temática prende-se com a multiplicidade de fatores que intervêm nas diferentes propostas de definição, na medida em que tais propostas são abordadas por diferentes áreas linguísticas, o que leva a que cada uma delas entenda estas expressões de uma perspetiva diferente.
Conteúdos programáticos escassos
No âmbito da abordagem pedagógica, as expressões idiomáticas são entendidas como construções linguísticas que possibilitam o enriquecimento do vocabulário, permitindo ao falante um conhecimento mais profundo e completo da língua que fala ou que está a aprender. Aliás, estudiosos como Bruno Lafleur2 sugerem que deve ser reservado no ensino de línguas um lugar para as expressões idiomáticas de modo a facilitar a sua compreensão e produção. O mesmo é defendido pelas linguistas portuguesas Guilhermina Jorge e Suzete Jorge que consideram que «a inserção destas expressões no processo de ensino/aprendizagem só poderá beneficiar esse processo. Tanto a língua materna como a língua estrangeira encontrarão nas expressões idiomáticas uma outra maneira de se dizer, oferecendo aos aprendentes uma outra motivação, uma outra dinâmica da língua»3.
No que concerne ao ensino de Português como Língua Materna, quando se analisa os conteúdos programáticos para esta disciplina nos diferentes níveis do sistema de ensino português, percebe-se que o espaço reservado ao ensino e aprendizagem destas estruturas linguísticas é escasso ou nenhum. Esta situação não deixa de ser alarmante, uma vez que se corre o risco de se estar a perder um elemento fundamental da herança cultural do povo português. Será possível que, num futuro próximo, tenhamos falantes que não saibam usar expressões como «armar-se aos cucos» ou desconheçam o significado de «passar as passas do Algarve»?
As expressões idiomáticas, pela sua complexidade linguística e relevância comunicativa e cultural, devem ser trabalhadas de modo natural e explícito desde os primeiros níveis de escolarização de modo a que não se deixe cair no esquecimento uma parte estruturante e identificadora da língua portuguesa. Além disso, explorar este tipo de construções em sala de aula permite desenvolver nos alunos uma consciência crítica sobre a sua língua e cultura. Não se pode esquecer que os jovens de hoje são também os falantes do amanhã, e o que ganharia a língua portuguesa se os seus falantes ignorassem a sua vertente mais criativa e original?
1 Santos, António Nogueira, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas. Edições João Sá da Costa, p. 9.
2 Cf. Lafleur, Bruno, Dictionnaire des Locutions Idiomatiques Française. Duculot.
3 Jorge, Guilhermina, Jorge, Suzete, Dar à língua. Da Comunicação às expressões idiomáticas. Edições Cosmos, p.19.