Eram um pai e um adolescente. Este estava entusiasmado com uma coisa que estava a ver no telemóvel, mas o pai também tinha um telemóvel e também estava a ver uma coisa, pelo que não apreciou a interrupção.
«Ó pai, não há palavras!», disse o rapaz, «é simplesmente indescritível!» E o pai respondeu dizendo o que eu também já disse muitas vezes: «Não há palavras, não. Claro que há palavras – tu é que não tens paciência de procurá-las!»
Mas desta vez – não sei se foi da brutalidade ou da ingratidão do pai – tomei o partido do filho e tenho a impressão que me há-de ficar para sempre. Ah, pois.
É que «não há palavras» também são palavras. São três palavras, por acaso muito bem escolhidas, que significam «impressionante, arrebatador, merecedor da pena de um poeta, etc.».
Diz-se «não há palavras» em vez de «fantástico» ou «magnífico» ou «espectacular» ou «maravilhoso» ou «sensacional». Não sei quais são os adjectivos portugueses mais batidos hoje em dia. Indescritível também é uma boa palavra. E costuma ser verdade mais vezes do que não é, sobretudo se atendermos a Wittgenstein e às dificuldades da descrição.
As palavras saem sempre a ganhar. E não há maior êxito para uma palavra do que se pôr nas bocas de todo o mundo. Se toda a gente diz «indescritível», é porque indescritível é uma palavra que exprime qualquer coisa que as pessoas querem dizer.
Nós é que confundimos as boas palavras com as palavras muito batidas. Delicioso é o exemplo de uma boa palavra que é muitíssimo batida. É um erro tentar arranjar um sinónimo só para não a repetir. Quase todas as boas palavras – mar, casa, nuvem – são melhores do que as alternativas.
Nós, os profissionais da palavra, não temos nada que nos abespinharmos quando alguém diz «não há palavras». Mesmo que signifique «não há palavras que me ocorram imediatamente», o facto que significam alguma coisa já é suficiente para nos tranquilizar, já é motivo de alegria: não há palavras.