Português na 1.ª pessoa - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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O mau uso do pronome relativo onde em duas notícias de jornal, apontado pelo ex-diretor de Informação da agência de notícias Lusa, na sua crónica semanal no jornal português i.

 

Um artigo-esclarecimento do secretário de Estado da Cultura português, depois das suas declarações à TVI 24, admitindo «melhorias pontuais» ao Acordo Ortográfico. Publicado no semanário Expresso de 3/03/2012.

 

 

É bom quando isto acontece: o país discute a sua Língua. Estamos pouco habituados a fazê-lo. Mesmo quando se trata apenas da ortografia, o debate revela que os portugueses estão disponíveis para que um tema desta natureza marque a “agenda política corrente”.

Na frase «Não se embarca tirania neste batel divinal», o termo tirania é o sujeito.

Trata-se da realização da voz passiva em português com a partícula apassivante se. No Dicionário Terminológico, é referido o emprego da partícula se como «marcador de uma estratégia de passivização (valor passivo – ocorrendo exclusivamente na terceira pessoa)», sendo dado o seguinte exemplo: «Dizem-se coisas estranhas neste país.»

Por Virgílio Dias

[Sobre a reposta de Sandra Duarte Tavares, A função sintática de tirania:]

Não há justificação nenhuma para imaginar que, na frase «não se embarca tirania neste batel divinal», «tirania» seja complemento directo.

O «se» só pode ser sujeito em orações reduzidas. Bem sei que há uma gramática de referência que autoriza tal interpretação. Mas… aliquando dormitat Homerus.

A propósito desta controvérsia [sobre a função sintática da palavra tirania na frase de Gil Vicente «Não se embarca tirania neste batel»] mantenho-me firme na minha convicção de que estamos perante um caso de ambiguidade entre a função de sujeito e a de complemento direto, dependendo da interpretação do se.

Os argumentos aduzidos por Maria Regina Rocha têm muita validade e eu não discordo de nenhum deles. Mas…

Se os analisarmos com atenção, todos os exemplos dados estão no plural:

A consulente Sofia Carreira perguntou ao Ciberdúvidas:

«Na frase de Gil Vicente "Não se embarca tirania neste batel divinal», a palavra tirania parece-me óbvio ser um complemento direto. Mas há quem defenda que se trata do sujeito (que eu consideraria nulo indeterminado). Será que nos poderiam esclarecer?»

«Parelha de tendência do povo rude para considerar a sua língua como a única de gente, existe nele uma outra, contraditória com esta: é a facilidade infantil com que o povo esquece a própria língua, mal entra em contacto com outra, e logo passa a aprender e a estimar esta com prejuízo da sua. [...] Um deles representa a tendência purista exagerada e fechada, desejosa de fazer voltar a linguagem a modelos antigos e já mortos, tratando-a como se ela fosse uma língua morta – a única língua de gente, digna de ser embalsamada, mumificada [...]. O outro, ao contrário, dá-nos o esquema do homem que a falar, e sobretudo a escrever, se deixa desnacionalizar facilmente, porque não pôde ou não quis aprender bem a sua língua, e por isso a não ama nem respeita.» Texto que reflete sobre a atitude dos portugueses perante a sua língua.

Na discussão do Acordo Ortográfico, além dos termos de uma estéril querela que se fica por questões de princípio, é possível perceber que por mais críticas que tenha suscitado, por mais que tenha sido desautorizado cientificamente, ele resistiu pela sua condição de projeto político.

 

«Em tema muito específico, com reputados especialistas envolvidos em polémicas violentas, recomenda-se silêncio respeitoso. [...] Esta opção não implica tomada de posição na contenda. Sobre o tema, permaneço perplexo e expectante. [...] No que toca às partes em confronto, vejo erros dos dois lados. Os que tomam o novo Acordo como atentado à cultura nacional esquecem que a nossa escrita não é a de Gil Vicente, nem sequer de Eça. [...] Os que apregoam a nova re...

«[A] regra de acentuar todas as esdrúxulas é de 1911, não existia antes, o que permite relativizar estas questões [à volta do Acordo Ortográfico de 1990], que não são, como muitos pretendem apaixonadamente, de lesa-pátria.» Artigo publicado no jornal Público de 26/02/2012.