Nas explicações sobre as potencialidades e vantagens da relíquia fotográfica, o tropeção do vendedor foi mesmo linguístico. Bastante generalizado nos usos menos cuidados do português de Angola assinala o autor em crónica publicada no semanário luandense “Nova Gazeta”, de 21/08/2014.
Ninguém estragou o negócio de ninguém. Quase todos, alguns, poucos, pelo menos das pessoas que conheço, buscam informações na internet para pesquisar telefones, aparelhos de som e televisão.
Alguns dizem que é para facilitar a compra de objectos mais recentes e evitar que se adquiram, por exemplo, máquinas obsoletas, como as de fotografia da época de Louis Daguerre.
Foi precisamente por isso que a Fuky, incauta e um tanto inexperiente nessas coisas de tecnologia, ainda a meio das negociações para a compra de uma Canon, ao que parecia vinha dos anos de 1990, procurou saber da Redacção o que pensávamos daquela relíquia.
«Claro que é muito boa, sobretudo para pessoas como tu que gostam de coleccionar objectos antigos para pôr no museu, não podias ter feito melhor escolha», ironiza o Nguabi, um dos fotógrafos do “Nova Gazeta”, “detentor”, como ele faz questão de gabar-se, de uma câmara de última geração: Canon 1d Mark III.
O vendedor, um jovem aspirante a jornalista, horas antes do e fecho do “bisno1”, dava explicações sobre as potencialidades e vantagens do seu ‘daguerreótipo’.
«A máquina tem boa resolução, apesar de antiga, as fotos não saem granuladas e a lente tem boa distância focal, bom alcance... É a máquina de que precisas para frequentares o curso de fotografia», insiste na propaganda. «E só são 50 mil kwanzas», reforça.
Segundo o Nguabi, com este dinheiro, pode-se adquirir uma câmara novinha em folha com muito mais funções. Não fosse a intromissão de Nguabi, o negócio estaria fechado. A Fuky teria a máquina e o colega apaixonadíssimo por História, os 50 ‘paus’.
«Vocês só estrovam o negócio dos outros», reclama a Teté.
É uma reclamação justa. E isso de ‘estrovar’ o que os outros tentam fazer parece típico dos angolanos, porque quase todos, optam por ‘estrovar’ ao invés de ‘estorvar’. Dizer ‘estorvar’ é que parece um estorvo, soa errado. Mas é o correcto.
O negócio definitivamente não aconteceu porque a Redacção ‘estorvou’, ou seja, impediu que a Fuky comprasse «gato por lebre».
1 Do inglês ‘business’, usado em Angola para referir-se a negócios, às vezes, ilícitos.
texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 21 de agosto de 2014, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.