«A pergunta de um milhão de dólares:
– Sigo o que todos dizem ou escolho um só?»
Um dos tópicos bem problemáticos na norma-padrão da língua portuguesa é o tal «duplo particípio».
Isso, sim, merece críticas justíssimas, pois os gramáticos divergem muito entre si, de modo que ficamos perdidos ao consultar diferentes fontes.
Em português, existem dois tipos de particípio: o regular (terminado em -ado ou -ido: limpado, elegido, imprimido) e o irregular (não terminado em -ado ou -ido: limpo, eleito, impresso).
As siglas usadas aqui para cada um deles serão PR (particípio regular) e PI (particípio irregular).
Selecionei todos* os pares mais controversos encontrados na obra Guia de Uso do Português, da linguista Maria Helena de Moura Neves (MHMN), para cotejá-los com as lições dos estudiosos normativos mais consagrados da segunda metade do século XX, a saber:
– Rocha Lima (RL);
– Evanildo Bechara (EB);
– Domingos Paschoal Cegalla (DPC);
– Celso Pedro Luft (CPL); e
– Napoleão Mendes de Almeida (NMA).
[Celso Cunha não foi trazido aqui, pois sua gramática não contempla as possibilidades de mais de uma forma de particípio nas vozes ativa e passiva.]
Pois bem...
Quando o particípio regular é usado na voz ativa, antecedido de ter ou haver (ex.: ter/haver aceitado), sinalizei abaixo com a seguinte sigla: VA.
Quando o particípio é usado na voz passiva, antecedido de ser/estar (ex.: ser/estar aceito), sinalizei abaixo com esta sigla: VP.
Quando o particípio (regular ou irregular) é usado facultativamente na voz ativa e na voz passiva, sinalizei com estas siglas: VA/VP.
Anotou todas as siglas? Recapitulando:
PR: particípio regular
PI: particípio irregular
MHMN: Maria Helena de Moura Neves
RL: Rocha Lima
EB: Evanildo Bechara
DPC: Domingos Paschoal Cegalla
CPL: Celso Pedro Luft
NMA: Napoleão Mendes de Almeida
VA: voz ativa
VP: voz passiva
.......................
Respire fundo, que agora você vai entrar em águas profundas:
*aceitado (PR), aceito (PI)* [em Portugal, aceite]
MHMN: PR (VA), PI (VA/VP)
RL: PR (VA), PI (VA/VP)
EB: PR (VA/VP), PI (VP)
DPC: PR (VA), PI (VA/VP)
CPL: PR (VA), PI (VA/VP)
NMA: PR (VA/VP), PI (VP)
*acendido (PR), aceso (PI)*
MHMN: PR (VA), PI (VP)
RL: PR (VA), PI (VP)
EB: PR (VA/VP), PI (VP)
DPC: PR (VA/VP), PI (VA/VP)
CPL: PR (VA), PI (VP)
NMA: PR (VA), PI (VP)
.......................
! A pergunta de um milhão de dólares:
– Sigo o que todos dizem ou escolho um só?
Pois é... Para resolver esse imbróglio do particípio duplo, será preciso fazer uma pesquisa inédita e vultosa em corpus contemporâneo de linguagem verdadeiramente culta (textos dos melhores escritores do idioma – literários e não literários).
:( Alguém se atreve?
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* Os casos de particípio irregular que historicamente se tornaram adjetivos na língua não foram elencados, por óbvio.
Apontamento do gramático brasileiro Fernando Pestana, na sua página pessoal no Facebook (25/02/2025) e aqui disponibilizado com a devida vénia.