1. Comecemos pela primeira questão, que diz respeito aos duplos particípios, tema já abordado no Ciberdúvidas diversas vezes, pelo que aconselhamos o consulente a fazer uma pesquisa a fim de complementar a explicação que faremos de seguida, evitando, assim, repetir respostas já em linha.
A noção gramatical que o consulente tem dos particípios passados duplos é correcta. De facto, os particípios irregulares empregam-se com os verbos estar e ser, enquanto os regulares (terminados em -ado/ -ido) se empregam com os verbos ter e haver. A questão é a seguinte, quando um verbo tem só um particípio, este pode ser usado como adjectivo, mas quando tem dois, é o irregular que é usado, acompanhando substantivos. Vejamos exemplos:
i. A folha solta (e não *soltada).
ii. O rapaz expulso (e não *expulsado).
Contudo, há casos em que ambos os particípios podem ser usados neste contexto, assumindo significados diferentes. Seguem alguns exemplos:
iii. absorvido/absorto; incluído/incluso; envolvido/envolto; cativado/cativo; corrigido/correccto; omitido/omisso; etc.
Desta forma, é igualmente gramatical dizer «Ele foi corrigido» e «Ele foi correcto, sendo que a primeira acepção aponta para uma correcção por parte de outrem, enquanto a segunda é equivalente a dizer «ele teve uma atitude correcta».
Quanto aos particípios omitido e omisso, concretamente, e à semelhança dos restantes particípios referidos em iii., há uma ligeira nuance de significado entre o particípio irregular e o regular. Omitido denota «esquecido, escondido, não expresso etc.», e omisso denota «ausente, negligente, etc.» Podemos, então, encontrar frases com um ou outro, e há contextos de preferência para um e para o outro (o asterisco indica agramaticalidade, e o ponto de interrogação indica aceitabilidade duvidosa):
iv. Ele está omisso.
v. *Ele está omitido
vi. Ele é omisso.
vii. Ele é omitido.
viii. Ele pode ser omitido.
ix. ?Ele pode ser omisso.1
x. Ele despede-se se o assunto for omitido.
xii. ?Ele despede-se se o assunto for omisso.
Como podemos verificar pelos exemplos dados, o comportamento do particípio irregular do verbo omitir foge à regra geral dos particípios.
Há depois outros casos em que o particípio regular não só pode ser usado como é mesmo preferido, causando estranheza o uso do particípio irregular, como é o caso de suprimido/supresso.
2. Passemos agora para a segunda questão, isto é, a passível ambiguidade da frase «Pelo meio, a voz de I Will always Love You, teve problemas com a filha, Bobbi Kristina, de 15 anos, que alegadamente a terá tentado matar»:
Para começar, a frase apresenta um erro crasso em qualquer língua, que consiste na colocação de uma vírgula entre o sujeito e o verbo:
«* a voz de I Will always Love You, teve problemas com a filha»
Por «voz de I Will always Love You» entendemos tratar-se de Whitney Houston, o que não interessa para aqui, mas ajuda a identificar o sujeito e a agramaticalidade da frase:
a) «* Whitney Houston, teve problemas com a filha»
Corrigido este erro, não parece haver complicações nem ambiguidades na frase. Foi a «filha que alegadamente terá tentado matar a mãe». Vemos isto pelo pronome anafórico a, abaixo destacado a negrito:
b) «Pelo meio, a voz de I Will always Love You teve problemas com a filha, Bobbi Kristina, de 15 anos, que alegadamente a terá tentado matar.»
Se fosse o contrário, ou seja, se fosse «a mãe a tentar matar a filha», não tínhamos o pronome anafórico, que tem precisamente a função de retomar o que anteriormente foi expresso. A frase teria a seguinte estrutura:
«Pelo meio, a voz de I Will always Love You teve problemas com a filha, Bobbi Kristina, de 15 anos, que alegadamente terá tentado matar.»
Esperamos ter esclarecido as duas questões.
Sempre ao seu dispor.
1 Note-se que o verbo auxiliar poder gera certa agramaticalidade na sua modalidade epistémica (noção de possibilidade, de incerteza) e não eôntica (noção de permissão), caso contrário a frase seria lícita.