A morte do Papa Francisco em 21/04/2025, foi também cenário para um encontro internacional, o das mais altas figuras da atual cena política. Realizados o velório e o funeral (este último teve lugar em 26/04/2025), no momento em que se redige este apontamento, inicia-se o processo que leva à escolha de um novo papa e bispo de Roma. Entretanto, como é de esperar, a comunicação social em Portugal vai somando notícias sobre o tema, às quais, nos canais de televisão e rádio, se associam comentários de vária ordem e desigual qualidade, sempre vulneráveis às vicissitudes das transmissões em direto. Apresentam-se, desta vez, três casos, todos ocorridos na CNN Portugal, sem querer com isto dizer seja este o canal mais atreito a lapsos ou tropeções gramaticais. Mas passemos, então, aos registos e aos comentários:
– «Octagenário» (21/04/2025, 09h22*)
No comentário, diz-se que o o papa era «octagenário». A forma correta é octogenário, «que tem entre 80 e 89», vocábulo importado por via culta, do latim octogenarius, palavra por sua vez derivada de octogeni, «oitenta de cada vez» (Dicionário Houaiss). Repare-se que o numeral ordinal correspondente a 80 é octogésimo, que exibe o elemento octo-, o mesmo que octo, «oito» em latim, sempre com a vogal o em ambas as sílabas. Já em relação a 800, a forma correspondente, octingintésimo, tem i na sequência octin-, visto ter origem no latim octigenti, «oitocentos». Acrescente-se que, em relação às décadas por que se pode fasear a idade dos seres humanos, se usam, além de octogenário, quadragenário, quinquagenário, sexagenário, septuagenário, nonagenário e centenário (cf. ibidem). Para os mais novos, dos primeiros anos de vida aos 39 anos, o léxico tem outra forma e proveniência: adolescente ou o anglicismo teenager, para quem tem entre 13 e 19; e vintão e vintaneiro, que, pelo menos, em Portugal, são pouco ou nada usados, ao contrário de trintão, mais corrente no discurso.
– «Estar importado» (22/04/2025, 08h34*)
Ouve-se a frase «e não está propriamente importado com o número, ele está importado em chegar perto daquelas pessoas que acreditam em Cristo», em que «está importado» se repete. Entrando em juízos de correção, «estar importado» pode suscitar reservas, porque, como sinónimo de interessar, o verbo importar conjuga-se pronominalmente, ou seja, como importar-se, e, portanto, seria de esperar um «não se importa com o número», mais canónico. Mas a verdade é também que «estar importado com», equivalente a «estar preocupado com» ou, num tom mais popular, «estar ralado com», encontra abonações nos usos de certos falantes: «Não estou importado com isso, o mais importante é a equipa vencer» ("Ronaldo: 'Ainda não marquei? Estou a guardar-me para o Mundial'", Mais Futebol, 09/10/2009). Ainda assim, voltando à frase em escrutínio, se a primeira ocorrência de «está importado (com o número)» passa, já a segunda – «está importado em chegar...» – esbarra na regência e seria mais feliz, se em vez de importar, o particípio passado de outro verbo tivesse sido usado. O de preocupar não seria descabido: «ele está preocupado em chegar perto daquelas pessoas....».
– «Ser elegido» (22/04/2025, 08h36)
O caso é mesmo de reprovar: «quando [alguém] é elegido para uma autarquia, para um município...». Eleger tem a forma «ser eleito na voz passiva, e não «ser elegido», porque se trata de verbo de duplo particípio passado. Verbos como este têm um particípio regular, como acontece com elegido, e outro irregular, que a forma eleito bem ilustra. Quando se usa cada uma das formas participiais? Como muitas vezes se tem explicado no Ciberdúvidas (ver Textos Relacionados), a forma regular associa-se aos tempos compostos, construídos com o auxiliar ter, pelo que «ter elegido» não pede correção. Mas, na voz passiva, com o auxiliar ser, é a forma irregular que se impõe, e, portanto, o certo é dizer que alguém «foi eleito».
E ficam assim comentados três casos linguísticos. Dois deles são erros claros, enquanto um configura a maneira como os falantes alteram e refazem constantemente a língua.
* Hora oficial de Portugal continental.