« (...) Saudade definia a solidão que os portugueses tinham da sua terra, familiares e amigos, quando estes partiam para o Brasil. (...)»
É uma das palavras mais referidas quando falamos de Portugal, pelo seu significado, mas também pela ideia de que não existe uma tradução possível em outros idiomas, tornando-a 'exclusiva'. Partilhamos alguns factos e curiosidades sobre a palavra saudade.
A simbologia da palavra saudade
Saudade representa um conjunto de sentimentos, normalmente causados pela distância ou ausência de algo ou alguém. Esta ausência pode ser física ou não, isto é, pode sentir-se saudade quando alguma relação de amizade, por exemplo, termina. Esta palavra expressa, então, um sentimento que envolve afetividade.
Qual é a sua origem e o seu significado?
A palavra saudade faz parte do vocabulário quotidiano dos portugueses e, também, do povo brasileiro. Mas afinal, qual é a sua verdadeira origem?
Existem algumas especulações sobre a origem de saudade. Há quem defenda que a palavra vem do árabe saudah1. Outros entendem que a sua origem vem do latim solitas, que significa «solidão».
Alguns especialistas indicam que palavras como saud, saudá e suaida significam «sangue pisado» e «preto dentro do coração». A metáfora perfeita para alguém que carrega no seu coração uma profunda tristeza, tristeza esta que pode ser causada pela saudade.
Os árabes utilizam o termo as-saudá quando se querem referir a uma doença do fígado, diagnosticada por estes como «melancolia do paciente».
Para outros especialistas, seguindo a perspetiva de Carolina Michaelis ou José Pedro Machado, a palavra saudade vem do latim solitate2, que significa «isolamento, solidão».
Em certos idiomas, o significado de solitate foi mantido, como é o caso do castelhano (soledad), do italiano (solitudine) ou do francês (solitude)3. Em português e no galego (soidade) alterou-se com o tempo. Assim sendo, quando alguém dizia «tenho saudades de casa» significava que sentia “solidão” por não estar em casa.
De qualquer das formas, os portugueses foram atribuindo outros significados a saudade4. Dizem até que passou a fazer parte do dicionário dos portugueses no tempo dos Descobrimentos Marítimos. Saudade definia a solidão que os portugueses tinham da sua terra, familiares e amigos, quando estes partiam para o Brasil.
Hoje, saudade é utilizada para uma série de situações e acontecimentos: quando nos referimos a alguém que faleceu e que nos traz grandes lembranças, quando alguma pessoa que nos era especial parte (para outro país, cidade), quando há muito não saboreamos um prato que adoramos. O mesmo acontece quando visitamos uma cidade e gostaríamos de lá voltar, quando relembramos um momento feliz da nossa vida, dos filhos quando são mais pequenos ou de casa, quando estamos longe.
Podemos ainda utilizar a palavra numa expressão como «matar a saudade», quando queremos acabar com a melancolia ou solidão que sentimos.
1. N.E. – A tese arábica da origem da palavra é discutível, como foi aqui explicado por Carlos Rocha, coordenador executivo do Ciberdúvidas.
2. N.E. – Esclareça-se que solitate era a forma vulgar correspondente ao latim clássico solitatem, caso acusativo de solitas, -atis. Recorde-se também que os nomes, adjetivos e pronomes latinos variavam não só em número e género, mas também em caso, ou seja, a forma das palavras variava de acordo com a sua função sintática. Contudo, no latim vulgar, esta variação em caso foi-se reduzindo gradualmente até se perder na maioria das línguas românicas, entre elas, o português. Cf. "Acusativo, ablativo, dativo, instrumental (locativo), nominativo, genitivo e vocativo" e "'A etimologia das palavras do português".
3. N.E. – A expansão dos significados da palavra saudade é explorada por Onésimo Teotónio Almeida, no seu artigo "Saudade – um mistério sem mistério" (aqui transcrito).
4. N.E. – Refira-se que o italiano solitudine e o francês solitude não vêm do latim solitas, -atis, mas sim de solitudo -inis. A forma solitas, atestada no latim arcaico e imperial, manteve-se nas línguas românicas da Península Ibérica (cf. A. Ernout et A. Meillet, Dictionnaire étymologique de la langue latine. Histoire des mots).
Artigo publicado originalmente na página eletrónica da National Geographic, em 30 de dezembro de 2019, aqui transcrito com a devida vénia.