Há dias tive de usar a expressão meia-idade para, de forma irónica, me posicionar etariamente. Questionado sobre as balizas, e ao procurar precisar o conceito, deparo-me, nos dicionários que consultei, com o seguinte «consenso»:
• «Período da vida humana entre os 40 e os 50 anos, aproximadamente» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa);
• «Época da vida entre a maturidade e a velhice, aproximadamente entre os 40 e os 55 anos» (Houaiss);
• «A idade dos 30 aos 50 anos» (Priberam);
• «Idade entre a maturidade e a velhice (aproximadamente entre os 40 e os 60 anos)» (Aulete).
Outros também consultados não apresentam, no que se refere às balizas temporais, grandes variações em relação a estes.
Ou seja, há os que acham que a meia-idade começa aos 30, e há os que acham que começa aos 40. Há os que acham que a meia-idade termina aos 40, há os que acham que termina aos 50, há os que acham que termina aos 55, e há ainda os que acham que termina aos 60. Há os que são perentórios nas balizas, e há os que se escudam num conveniente «aproximadamente», salvaguardando intervalos para cima e para baixo. Entendam-se, senhores!
Poder-se-ia pensar que esta imprecisão vocabular resultaria da evolução contínua da esperança média de vida que faz com que aquela informação se desatualize com o passar do tempo, porém os dicionários citados são todos relativamente recentes ou estão online… Há ainda aqueles que referenciam o termo em relação ao período anterior, a que chamam maturidade, e ao seguinte, a que chamam velhice, o que pressupõe a existência de pelo menos um período prévio à maturidade que admito tratar-se da juventude...
Numa outra linha, é patente na expressão meia-idade algum pendor eufemístico, pois, na verdade, e literalmente, se a esperança média de vida é hoje, em Portugal, de cerca de 80 anos, a meia-idade, ou seja, o meio da vida, dá-se aos 40. Sábios são, pois, os dicionários mais antigos (Cândido Figueiredo, Morais e José Pedro Machado), que, copiando-se uns aos outros – em equipa que ganha não se mexe –, se referem a ela, sem se comprometer, como: «a idade de/dos 40 anos, aproximadamente», deixando os intervalos ao critério de cada qual... A partir desse marco, inicia-se a fase em que, em termos médios, já não iremos cumprir mais anos do que os já decorridos.
De onde, considerar os 50, os 55 ou os 60 como o fim da meia-idade pressuporia que durássemos até a uns matusalénicos 100, 110 ou 120 anos… Dá-me ideia, pois, de que as novas definições já vogam a onda politicamente correta de ocultação das idades mais avançadas. O que me faz lembrar os malabarismos linguísticos que hoje em dia se fazem para evitar os termos velho ou até mesmo idoso. É que, se repararmos, anda a fazer caminho o sénior… Tempos houve em que se passava a sénior aos 18 anos, antes era-se apenas júnior… Hoje, vai-se a ver, e só se é sénior com mais de 65… Bem, valha a verdade que também comecei a ouvir, no mundo empresarial privado, chamar «consultor sénior» – usando aqui a expressão como «mais velho» – a alguém que já tinha alguns anos de experiência mas que podia ter apenas 30 de idade… E, já não por cá, em que não existe tal uso, mas, por exemplo, nos Estados Unidos, em certas famílias, quando o filho é homónimo do pai, é hábito juntar-se o Jr. (Júnior) no final do nome, assim se ficando eternamente júnior …
Note-se que, apesar de rejeitarmos o velho – que são os trapos, bem o sabemos –, usamos com facilidade termos da mesma família como envelhecer, envelhecimento, velhice e outros… Velho é que não pode ser, sobretudo se aplicado a pessoas! E a coisa é de tal ordem, que não há muito tempo vi sair um livro intitulado Envelhecer sem Ficar Velho…
Outra forma de camuflar o avanço dos anos é através de expressões inócuas como «terceira idade», em que, omitindo as balizas temporais, se confere uma certa neutralidade ao fenómeno do envelhecimento, ainda que os 65 anos sejam uma barreira comummente aceite para o seu começo, ou deveremos já dizer 66, devido à alteração da idade de reforma?!... Não sendo muito preciso, o Priberam apresenta a «terceira idade» como o «período que se segue à idade adulta e em que cessam as atividades profissionais». Menciona também a «quarta idade» como o «período que se segue à terceira idade, em que a maior parte das atividades se tornam impossíveis, e que corresponde à senescência». E refere-se à «primeira idade» como «a infância», sendo, porém, omisso em relação à «segunda idade», mas, estando por lá uma «idade viril», designada por «idade do homem adulto», acreditamos que essa seja a segunda. Fiquemos, porém, por aqui e não discorramos nem sobre o conceito de virilidade nem sobre a sua aplicação às diversas idades… Sendo a «idade viril» a «idade do homem adulto» – dá-se aqui prevalência ao género masculino para significar ambos os géneros: ainda haverá quem acuse a linguagem de sexista… –, constata-se que adulto, para o Priberam, é o «que já está em idade compreendida entre a adolescência e a velhice»... De uma penada são postergadas as convenções de maioridade civil (dos 18 ou dos 16 anos) conferidas pela sociedade através da lei, que cedem lugar à maioridade física conferida pela natureza e traduzida na capacidade de procriar… E lá voltamos à velhice, referida como o «estado ou condição de velho» e já não à «terceira ou quarta idades» e muito menos à meia-idade…
Continuando a deambulação dicionarística, constata-se que a maturidade, ou seja, o período imediatamente anterior à «meia-idade» (para Houaiss e Aulete), é também sinónimo de «idade madura»… Confesso que a seguir à «idade madura» só pode mesmo vir a pouco abonatória idade do «a cair de maduro», ou então, e fazendo o paralelo para o reino vegetal, o apodrecimento. E neste caso é pior a emenda que o soneto! Ainda que as uvas, depois de colhidas e quando bem secas, passem a passas e assim possam ganhar uma segunda vida… E nalgumas delas, ainda em cepa, se fale também na «podridão nobre», em que a uva é vindimada mais tarde, permitindo a produção dos afamados «colheitas tardias».
Serve este apontamento para se perceber o quão pouco exatos são os dicionários no que respeita aos termos relativos à idade, cada vez mais e cada vez mais presentes em razão da demografia, bem como testemunhar uma certa dulcificação da linguagem desta área do léxico, porventura por má convivência com o processo de envelhecimento e medo atávico da morte…