1. A guerra na Ucrânia continua a ser descrita por meio de palavras que remetem para visões distintas do mesmo fenómeno. Os ucranianos afirmam que se encontram a resistir e a defender o seu país. Já o Kremlin contra-argumenta: foi o Governo ucraniano o primeiro a atacar minorias russófonas e a ameaçar a própria Rússia. Os verbos selecionados para referir estes acontecimentos de guerra descrevem os ucranianos ora como vítimas ora como agressores. E, do lado contrário, é também possível perspetivar a realidade de forma dúplice: serão os russos invasores ou protetores? A língua é permeável a esta subjetividade, e as escolhas linguísticas veiculam iodeologias e geoestratégias que devem ser cuidadosamente filtradas por quem recebe os enunciados que descrevem a guerra em curso, suscetíveis de veicular visões antagónicas e que podem facilmente contribuir para turvar a análise de quem está menos informado ou de quem não quer ver. A língua é também uma arma de guerra.
2. Em simultâneo, a língua vai também descrevendo a evolução da saúde mundial. Por um lado, refere-se aquela doença que teima em não dar tréguas, o que fica bem explícito na afirmação do diretor-geral da OMS: «A pandemia não vai desaparecer por magia». Ele mesmo aventou a possibilidade de o fim das restrições e o aumento das viagens explicarem o surto de uma nova pandemia que surge no horizonte: a «varíola dos macacos». Um pouco por todo o mundo, realizam-se estudos sobre as sequelas da covid-19 em diferentes áreas da atividade humana: um deles relaciona-se com a vida escolar (afetada) em Portugal e um outro sobre a participação em atos eleitorais em 26 países de cinco continentes, nomeadamente no quadro da abstenção. As expressões e a palavra sinalizadas constituem as quatro novas entradas em A covid-19 na Língua.
3. Na nova atualização do Consultório, as questões lexicais assumem uma posição de destaque: tratamos as diferenças entre abençoar e bendizer e também entre benevolência e bondade. Apresentamos, igualmente, respostas relacionadas com a correção de expressões como «e tal» com quantificadores ou «igual eu». Aborda-se ainda o uso da numeração romana em minúsculas em trabalhos e o único caso em que numa palavra surge uma vogal a fechada não seguida de consoante nasal. Por fim, uma explicação sobre os efeitos de sentidos associados ao uso do singular e do plural: «Lamentamos o transtorno ou os transtornos?»
4. A palavra metadado surge atualmente com muita frequência na comunicação social portuguesa devido ao chumbo da Lei dos Metadados pelo Tribunal Constitucional. Na sua crónica, divulgada no programa Páginas de Português, da Antena 2, a professora Carla Marques aborda a formação da palavra, a sua história e significados.
5. Partilhamos, com a devida vénia, três textos relacionados com a língua portuguesa:
— Uma crónica de Carmo Afonso, advogada e cronista, sobre a presença da homofobia na língua, a propósito da varíola dos macacos e dos preconceitos que a doença está a arrastar consigo;
— Um artigo de José Manuel Barata-Feyo, jornalista e provedor do jornal Público, onde ficam patentes vários problemas linguísticos apontados pelos leitores ao jornal, entre os quais a influência do inglês, que assume um grande peso;
— Uma carta dirigida ao jornal Público, na qual um leitor aponta um mau uso do presente do indicativo, uma análise que o Ciberdúvidas relativiza.
6. O Ciberdúvidas conta com uma nova rubrica: Literatura. Nela se inclui uma reflexão do escritor e colunista Eduardo Affonso sobre as diferenças entre dois géneros textuais: a crónica e o conto.