A partir de frases como «Vende-se casas» e «Vendem-se casas», João Andrade Peres e Telmo Móia dizem na página 237 da 2.ª edição de Áreas Críticas da Língua Portuguesa: «Na nossa opinião, ambas as construções são aceitáveis, embora se possa preferir uma ou outra por razões estilísticas. A nossa posição resulta de dois factores: por um lado a aceitação generalizada por parte dos falantes que o uso do clítico impessoal com verbos transitivos parece ter; por outro lado, o facto de não julgarmos haver razões — estruturais ou semânticas — para aceitar a construção com o clítico impessoal nuns casos e rejeitá-la noutros.»
Esta é a posição prevalecente hoje para construções deste tipo: considera-se que as duas construções estão correctas, sendo o valor do clítico se diferente em cada uma delas. Na frase «Não se desabotoa as calças em público», o clítico se tem valor impessoal; na frase «Não se desabotoam as calças em público», o se tem valor apassivante. O se impessoal indica indeterminação do sujeito, e o verbo que o acompanha é sempre singular, não tendo de concordar com nenhum outro elemento da frase; ao passo que o verbo que acompanha o se apassivante concorda em número com o seu argumento interno (neste caso, as calças).
Importa dizer, no entanto, que gramáticos mais puristas consideravam que o clítico se impessoal não podia ser usado com verbos transitivos. Segundo Napoleão Mendes de Almeida, na sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa, em construções deste tipo, com verbo transitivo, o verbo deve concordar com o constituinte que está na posição de complemento (à direita do verbo), uma vez que nestes casos o clítico se expressa passividade. Segundo esta perspectiva, a frase em questão deveria ser «não se desabotoam as calças em público».
Resta acrescentar que se usa o verbo sempre no singular, se não se tratar de um verbo transitivo directo. Diz Mendes de Almeida que se emprega «a voz passiva com os verbos intransitivos e transitivos indirectos para indicar impessoalidade , isto é, para indeterminar o sujeito do verbo , ficando o verbo sempre no singular » (p. 217). Dá como exemplos «No Rio de Janeiro passeia-se muito » ou «Precisa-se de costureiras».
Nota do editor – A colocação do verbo no singular ou no plural nas frases com a partícula se é um tema não consensual na língua portuguesa. Vide, por exemplo, as seguintes respostas e textos: O verbo ver com a partícula apassivante + Vende-se ou vendem-se? + O predicativo do sujeito e o se da construção impessoal reflexa + Aluga-se esta casa. E estes outros registos: Aluga-se ou alugam-se carros? + Alugam-se ou aluga-se?+ Vende-se ou vendem-se casas? + Aluga-se ou arrenda-se? + Sem/Cem erros (re)correntes em português + O -se passivo e o -se impessoal