De facto, o substantivo próprio Quaresma, «período do ano litúrgico católico, que decorre, como preparação penitencial da Páscoa, desde Quarta-Feira de Cinzas» e o substantivo comum quaresma , «planta herbácea, glanduloso-viscosa, de flores brancas, pertencente à família das Saxifragáceas, espontânea em Portugal» e «flor desta planta»1 são no fundo a mesma palavra porque remontam ambos ao latim quadragesĭmam (partem, diem), isto é, «quadragésima parte» e «quadragésimo dia» (ver Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Houaiss). Na evolução de quadragesĭmam, caíram vários sons no meio da palavra, num fenómeno que se designa tradicionalmente síncope, como se ilustra em (1):
(1) quadragesima(m) > quaragesima > quaraesima ou quaresima
Segundo José Joaquim Nunes (Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, Lisboa, Clássica Editora, pág. 119), a evolução representada em (1) verificou-se no latim vulgar, registo linguístico em que já se dera a queda do -m final que marcava o caso acusativo no latim clássico.
Deve também ter ocorrido a queda do i, do seguinte modo:
(2) quaresima > quaresma
Edwin B. Williams (Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, pág. 144) considera que a forma quaresma terá surgido primeiro em castelhano, donde terá passado ao português.
Todos estes fenómenos aconteceram lentamente na passagem do latim vulgar ao castelhano e ao galego-português (período mais antigo do português).
Um período de jejum que durasse cinquenta dias talvez se chamasse quinquagesima em latim, mas não se conhece um período que seja assim chamado nem a sua evolução histórica está documentada no português.
1 Chama-se assim porque a sua floração coincide com o período da Quaresma (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
N. E. (11/04/2017) – Os nomes de festas e festividades escrevem-se com maiúscula inicial, conforme o n.º 2 da Base XIX do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO90): Natal, Páscoa, Ramadão, Todos os Santos. Este preceito mantém em substância o disposto no normativo que vigorou plenamente antes de 2010 em Portugal, o Acordo Ortográfico de 1945 (Base XXXIX): «[...] os nomes pertencentes ao calendário [...] e os nomes de festas públicas tradicionais, seja qual for o povo a que se refiram, escrevem-se todos com maiúscula inicial, por constituírem verdadeiras formas onomásticas. Exemplos: [...] Ramadã ou Ramadão, Xebate; Carnaval (também nome do calendário), Elafebólias, Lupercais, Saturnais, Tesmofórias.» Recorde-se que, entre os nomes do calendário, se incluíam, além dos nomes das festas do calendário religioso (Natal, Páscoa, Quaresma), os nomes dos meses e das estações que, com o AO 90, passaram agora a ter minúscula inicial (janeiro, fevereiro, março, etc.; primavera, verão, outono, inverno – cf, n.º1 da Base XIX do AO 90; ver também "Dias da semana, meses e estações do ano" e "Os meses e as estações o ano com inicial minúscula"). Observe-se ainda que Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (págs. 297-299), de 1947, incluía os casos de Ano Bom, Natal, Páscoa, Pentecostes, Quaresma, Semana Santa entre os os «nomes pertencentes aos calendários», enquanto, entre os «nomes de festas públicas tradicionais», inscrevia Carnaval, Entrudo e Maias. Todos estes nomes, designativos de festas religiosas e não religiosas, continuam a exibir maiúscula inicial no quadro da aplicação do AO 90.