DÚVIDAS

«Candidata a prefeito»

Os nomes dos cargos públicos do governo são naturalmente masculinos, pois em português prevalece o masculino em diversos casos. Assim temos o cargo de presidente, de governador, de prefeito, de vereador, de juiz, etc.

Assim sendo, devemos dizer que Maria Lúcia de tal foi candidata a "prefeito", ou "prefeita" de tal município? Um vez eleita, diz-se que ela foi eleita "prefeito" de tal município, ou eleita "prefeita" de tal município? Ela é uma "prefeita" ocupando o cargo de prefeito? Todavia não se dirá nunca «o prefeito Maria Lúcia», mas «a prefeita Maria Lúcia».

Não fica estranho um repórter perguntar a uma governadora em uma entrevista: «Quando a senhora foi eleita governador deste Estado, tinha ideia dos desafios que teria pela frente?» Num caso destes, seria mesmo “governadora” que se diz?

Outro caso: «Júlia passou no concurso para juiz.» É assim mesmo?

Se puderem apresentar outros exemplos esclarecedores e completantes, agradecer-lhes-ia muito.

Muito obrigado desde agora.

Resposta

Há, por um lado, o cargo de prefeito, e, por outro, o prefeito ou a prefeita que fazem o exercício desse cargo. Ou seja, a língua é sexista, porque pressupõe que a designação do cargo, independentemente do sexo de quem o ocupa, é sempre do género masculino. Por conseguinte, quando alguém, mulher ou homem, se candidata ao lugar cimeiro da prefeitura, candidata-se ao lugar de prefeito. Mas quando se encara o exercício do cargo, usa-se o contraste de género: «O candidato a prefeito»/«A candidata a prefeita»; «Ele será/é/foi o prefeito»/«Ela será/é/foi a prefeita». Do mesmo modo, se dirá que «a Rita foi eleita governadora», porque passou a ocupar o cargo de governador.

Já no caso de «Júlia passou no concurso para juiz» é possível usar quer o masculino quer o feminino, em função do que se pretende referir: «Júlia passou no concurso para ocupar o cargo de juiz» vs. «Júlia passou no concurso para se tornar juíza (para passar a assumir o cargo de juiz)». 

Acrescente-se que, dado a pergunta focar algumas funções específicas do Brasil, a nossa resposta baseia-se também na Lei n.º 2749, de 2 de Abril de 1956, que «dá norma ao género dos nomes designativos das funções públicas», critério adoptado por Luiz Autuori e Oswaldo Proença em Nos garimpos da linguagem1. Assim, verificámos que prefeito e juiz não se encontram aí registados (do que se depreende que manteriam a mesma forma no feminino) e retirámos da lista aí apresentada os seguintes casos de formação de feminino de cargos públicos: 

capitão → a capitã ou capitoa

chefechefa

cônsulconsulesa

deputadodeputada

desembargadordesembargadora

escrivãoescrivã

generalgenerala

marechalmarechala

ministroministra

presidentepresidenta

senadorsenadora e senatriz

No entanto, verificámos que o Dicionário de Masculinos e Femininos2 assinala prefeita como feminino de «prefeito, chefe do poder executivo municipal», explicitando com a seguinte abonação retirada do Jornal Correio da Manhã, de 15-X-1958: «(Dona Jandira de Souza) foi eleita com 1107 votos e será a primeira prefeita da Bahia»  e, também,  «juíza», como «mulher com cargo ou função de juiz».

Relativamente aos cargos públicos, há a assinalar, ainda, alguns casos, focados na Nova Gramática do Português Contemporâneo3, que fazem a diferença: o termo embaixador prevê, convencionalmente, dois femininos: embaixatriz (a esposa do embaixador) e embaixadora (funcionária chefe de embaixada).

Convém recordar, também, que «os substantivos terminados em -e são geralmente uniformes (excepto abade, barão, conde, diácono, duque e sacerdote) [e] essa igualdade formal para os dois géneros é quase que absoluta nos finalizados em -nte, de regra originários de particípios presentes e de adjectivos uniformes latinos, exceptuando-se um pequeno número que, à semelhança da substituição -o (masculino) por -a (feminino)», como é o caso de «governante governanta, infante infanta, mestre mestra, monge monja, parente parenta» (idem, p. 105).

É natural, pois, que nos casos dos substantivos comuns de dois géneros, ou seja, os que «apresentam uma só forma para os dois géneros», se distinga o masculino do feminino pelo género do artigo ou de outro determinativo acompanhante, como é o caso de «o agente → a agente, o gerente → a gerente» (idem, p. 196).

1 Luiz Autuori e Oswaldo Proença, Nos Garimpos da Linguagem, 4.ª ed., Ed. Livraria São José, 1959.

2 Aldo Canazio, Dicionário de Masculinos e Femininos, Rio de Janeiro, Liv. Freitas Bastos, 1960.

3 Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002.

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