Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Início Outros Antologia
Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.

Os governos mais sábios deveriam contratar os poetas para o trabalho de restituir a virgindade a certas palavras ou expressões, que estão morrendo cariadas, corroídas pelo uso em clichés. Só os poetas podem salvar o idioma da esclerose. Além disso a poesia tem a função de pregar a prática da infância entre os homens.

Por D. Duarte

Primeiro: conhecer bem a sentença do que há-de tornar, e pô-la inteiramente, não mudando, acrescentado, nem minguando alguma coisa que está escrito.

O segundo: que não ponha palavras platinadas, nem de outra linguagem, mas tudo seja em nossa linguagem escrito, mais achegadamente ao geral bom costume do nosso falar que se pode fazer.

Ela não esqueceu nunca o tempo em que era uma camponesinha descarada que dançava debaixo de aveleiras em flor. Ri facilmente e, ao menor pretexto, tira os sapatos, prende as saias com a mão, parte outra vez ao encontro da sua natureza que aceita mal a convenção e os arrebiques. Tem o latim por pai, é certo, mas um pai com barba vagabunda, alheio à higiene e às declinações. Herdou das mouras uma certa languidez, essa demora no olhar que indica a predisposição para o descuido nos pormenores mai...

Muito antes, mas mesmo muito antes de eu falar, de eu ser, de eu existir sequer no pensamento de alguém, antes de esse alguém ser alguém, no tempo infinito, no tempo dos tempos de todos os limbos outros homens pensaram, outros homens falaram. Eu sei.

A Nossa Língua Portuguesa*

«Gosto desta língua que me permitiu ler no original as deliciosas prosas de Eça de Queirós ou Jorge Amado, entender e apreciar o "vem cá!" e nunca me impediu de sentir e afirmar a minha identidade de homem cabo-verdiano».

[Texto escrito especialmente para o Ciberdúvidas, na sequência dos contributos do angolano Pepetela, do guineense Carlos Lopes, do moçambicano Mia Couto e do português José Saramago]

Obriga-se o cronista...
Sobre os adjetivos substantivados

‹‹Prelado será sempre virtuoso; cantora será sempre mimosa; jornalista será sempre consciencioso; jovem escritor será sempre esperançoso; patriota será sempre exímio; negociante será sempre honrado; caluniador será sempre infame [quando usados como substantivos]›› – lembra Camilo Castelo Branco neste texto transcrito do seu livro Crónicas, Textos Polémicos e Artigos Escolhidos.

Antigamente, não vinham apenas roupas, brinquedos, ferramentas e espantos nas grandes caixas de madeira que cruzavam os mares e os ventos, entre a América e as ilhas dos Açores. Vinham também os cheiros, os prodígios da riqueza imaginada, as inscrições a negro sobre a madeira aconchegada pela firmeza das cintas metálicas. E vinham palavras novas. Embrulhados com as roupas, chegavam dizeres, bilhetes com erros de ortografia, cartas movidas por estranhas palavras que em si mesmas misturavam dua...


Mpurukuma, Língua, corpo quase,
o que sou de sobrepostas vozes,
Bayete!
E tu, pássaro da alma, Mpipi adejando
sobre o losango tumultuante de cores,
Templo onde me cerco,
não me abandones, cão inflando para o rio
uma escarninha balada que nos enforca.

Esfumou-se a Torre na praia nocturna,
a preposição que olfactava o nervo
e Ele dorme ainda e expulso.

Quando a palavra surge, inteira, das águas
e os espíritos batem a respiração do batuque,
Ele ...

O adjectivo? Que horror

quando não é incisivo
quando atira para o vago
o pobre substantivo

(...)

A dimensão africana da língua portuguesa

«Do português interessam-me muitas coisas, a começar pela relação específica que existe em qualquer língua entre grafema e fonema. Em nenhuma outra língua, nem mesmo em kriol (devido à sua jovem normalização), me sinto tão à vontade.»

[texto do sociólogo guineense Carlos Lopes especialmente para o Ciberdúvidas, na sequência do contributos do angolano Pepetela, do cabo-verdiano Germano Almeida, do moçambicano Mia Couto e do português José Saramago.]