Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Textos de autores lusófonos sobre a língua portuguesa, de diferentes épocas.
Língua remendada

E verdadeiramente que não tenho a nossa língua por grosseira nem por bons os argumentos com que alguns querem provar que é essa; antes é branda para deleitar, grave para engrandecer, eficaz para mover, doce para pronunciar, breve para resolver e acomodada às matérias mais importantes da prática e escritura.

(...)

A linguagem tem qualidades que devemos cultivar e defeitos que é forçoso evitar. Entre as qualidades avultam a pureza, correcção, clareza, eufonia, precisão, propriedade, harmonia, conveniência, dignidade e ordem.

Por pureza entende-se a conformidade da linguagem com a índole da língua. Nesse sentido, necessário se torna que usemos apenas palavras da própria língua e autorizadas pelo uso dos que bem a falam, e procuremos que as frases e orações sejam construídas de harmoni...

D. João I e a independência do Português
O "ar de família" com o castelhano e... nada mais

«[Foi] D. João I, o eleito do povo e o mais nacional de todos os reis [portugueses], [que] deu ao idioma pátrio valente impulso, mandando usar dele em todos os actos e instrumentos públicos, que até então se faziam em latim», recorda Almeida Garrett neste apontamento, transcrito da antologia Paladinos da Linguagem, (1.º vol., Aillaud e Bertrand, Lisboa, 1921).

A prática é, em qualquer ciência, um elemento importantíssimo, mas insuficiente. A prática implica tacteamento, indecisão: é empirismo. Deve ser completada com a teoria; ou esta deve ser aperfeiçoada com a prática.

Tal é o caso da Gramática e da Língua: a Gramática é a teoria, a Língua é a prática. Uma e outra são inseparáveis.

Uma língua, considerada no conjunto das suas palavras, pode, segundo o espírito que sobre ela e com ela trabalha, apresentar-se-nos sob dois aspectos - que definirei por meio de uma comparação. Ou é, através de páginas frias, uma coisa descolorida e pálida como um herbário, onde se dispõem plantas mortas, secas e sem perfume; ou estremece e canta como um prado onde o sol bate verdejantes, pletóricos vegetais, escorrendo seiva.

Entre todas as disciplinas (do quadro dos estudos secundários) a língua materna foi a que primeiro entrou ao uso do aluno; a que ele começou a adquirir nos primeiros tempos da infância; a que lhe prestou grande serviço antes da escola e o continuará a prestar depois dela.

Acontece quase sempre que, tendo adquirido nas aulas e liceus, nas academias e escolas superiores, mui avultados conhecimentos das línguas estranhas, antigas e modernas, achamo-nos por extremo pobres dos conhecimentos da nossa, que falamos só por a ouvir falar, e talvez com os erros vulgares a que não atendemos, ou que porventura defendemos só porque os bebemos com o leite, e ninguém deles nos advertiu.

Coimbra, 7 de Julho.

As palavras renascem.
Folhas de clorofila humana,
Brotam, crescem,
Murcham, desaparecem,
Mas renascem.

Que frescura teria a caravana,
A caminho da morte ou do nirvana,
Se os poetas cantassem!

 

Coimbra, 14 de Julho

— Chegou meu pai. Mandei-o vir espairecer. Lépido e seco, com os seus oitenta e tal, desembarcou na estação com os olhos azuis ávidos...

As palavras

«A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é a erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.» José Saramago publicou esta crónica dos seus tempos de jornalista no vespertino A Capital, em livro lançado, em 1971, sob a chancela da Editorial Arcádia.

Esta nossa língua portuguesa está a reclamar os seus panegiristas, galhardos paladinos que a defendam e enalteçam, de tal maneira deve andar envergonhada do desprezo com que tantos a maltratam, e bem saudosa do vivo amor que tantos lhe sagraram. O autor da «Côrte na Aldeia» já clamava com mágoa, quando tecia encómios à sua amada língua: «Para que diga tudo, só um mal tem, e é que, pelo pouco que lhe querem seus naturais, a trazem mais remendada que capa de pedintes.» Que faria se ele a...