Finalmente, Portugal vai ratificar o acordo ortográfico. Para quem clama que isso é uma desgraça, o passado tem grandes lições. E o futuro não está nos nacionalismos balofos
Parece que desta vez é a sério e que o acordo ortográfico vai ser mesmo aprovado. Para alguns, que se consideram puristas da língua, é uma tragédia. Esquecem-se que já escrevemos, noutros tempos, ‘ortographia’, ‘lyrio’, ‘mãi’, ‘pae’, ‘prompto’, ou mesmo ‘phleugma’ (fleuma). Vasco Graça Moura, um dos paladinos da oposição ao acordo, adverte que isto beneficia a indústria brasileira. Ora, nem parece dele defender o proteccionismo como modelo. Se Portugal não se preparou devia tê-lo feito e, além disso, tem 10 anos de moratória para o fazer.
A língua é um instrumento – vivo – de comunicação. E o mundo global não se compadece com nacionalismos serôdios. Se Portugal não avançasse para um acordo com o Brasil – mesmo um acordo imperfeito, que estabelece o desacordo, porque prevê que determinadas palavras possam ter duas grafias –, em breve o português de Portugal não seria mais do que uma bizarria falada por uns meros 10 milhões de pessoas.
A fonética da nossa língua já é, a nível mundial, muito mais brasileira do que portuguesa (mesmo os países africanos lusófonos tendo uma fonética própria estão mais próximos do brasileiro). E o mesmo acontece com a grafia: nos programas informáticos, na troca de comunicações, no «software» dos correctores ortográficos, nos manuais de instruções dos construtores, etc.
A pergunta a que temos de responder neste mundo – e não noutro qualquer em que preferíssemos viver – é se queremos estar dentro ou fora desta realidade.
Já passámos pelos acordos de 1911, de 1931, pelos ajustes de 1973. Olhar a ortografia como se fosse assim desde a fundação da nacionalidade é ignorância. Pretender impor a nossa ortografia é pesporrência. Na era global, quem não se adapta morre. Por isso, viva o acordo ortográfico.
Editorial do semanário português Expresso de 1 de Dezembro de 2007