Gostaria, antes de mais, de salientar que a nossa língua não tem uma interpretação tão linear como desejaríamos, sobretudo quando estamos num contexto educativo.
Respostas únicas, inquestionáveis, integram o desejo de qualquer professor. Todavia, a língua, como a vida, não é assim tão simples. E mantém muitas franjas acerca das quais há, ainda, necessidade de investigar mais, o que não implica, porém, que da investigação saia uma interpretação unívoca. Com efeito, muitas vezes, o que da investigação nos advém é a necessidade de aceitar a diversidade. E, perante a diversidade, desde que devidamente justificada, nem sempre há argumentação que imponha, inequivocamente, uma das possibilidades.
Vale a pena salientar, também, que muitos são os investigadores e os gramáticos que consideram não existir coordenação conclusiva nem explicativa.
Acerca deste assunto, dizem Gabriela Matos e Eduardo Raposo, na recém-publicada Gramática do Português (doravante gramática da Gulbenkian), organizada por Eduardo Raposo e outros, e publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian (no mês de outubro saíram os primeiros dois volumes). O sublinhado é meu:
«Com base num critério sobretudo semântico, a tradição gramatical luso-brasileira apresenta frequentemente um leque de conjunções e locuções conjuncionais coordenativas mais alargado do que aquele que é apresentado no quadro 1, da secção 35.3 [copulativas simples: e, nem; copulativas correlativas: nem… nem, quer… quer, não só… mas também, não só… como (também); disjuntivas simples: ou; disjuntivas correlativas ou… ou, ora… ora, quer… quer; adversativas simples: mas (p. 1787)]
(…)
Ainda outros contemplam a existência de conjunções coordenativas conclusivas e de conjunções coordenativas explicativas. Como se verá, não se aceita nesta gramática nenhuma destas classificações…» (p. 1805).
No caso em análise, esta questão não se coloca, uma vez que os coordenadores e colaboradores do Dicionário Terminológico (DT) assumiram a existência da coordenação conclusiva e explicativa, contrariamente, por exemplo, à decisão, também tomada pelos autores da gramática da Gulbenkian, de não aceitar como conjunções os advérbios conetivos porém, todavia, contudo, caso em que gramática da Gulbenkian e DT coincidem…
Assim, contrariamente à posição dos estudos mais recentes, o DT assume a existência de coordenação conclusiva e explicativa, o que vem manter uma indefinição de classificação, para a qual pode nem sempre haver na bibliografia recente suporte a que possamos recorrer, para aceitar, ou defender, classificações como a que estamos a apreciar.
Ainda assim, a questão é analisada com rigor na gramática da Gulbenkian, que, todavia, como já vimos, não considera a existência de coordenadas explicativas. Dedica-lhe o subcapítulo 35.4.2.4 Orações explicativas e causais não integradas (p. 1814 a 1816) e propõe uma classificação para estas estruturas que não é contemplada na classificação que o DT nos impõe. Nesse subcapítulo identificam-se como conetores pois, que, porque e porquanto.
Tendo como base o que o DT define como nomenclatura a introduzir no ensino/aprendizagem da língua portuguesa, sentimos necessidade de refletir e identificar características que possam ajudar-nos.
Nesse sentido, importa ter em conta as características gerais das estruturas subordinadas ou coordenadas típicas. No caso das coordenadas, identificamos (e tomamos como base o que é dito na gramática já referida, páginas 1806 a 1808) aspetos como:
a) a impossibilidade de duas conjunções coocorrerem na mesma oração;
b) a posição fixa da conjunção que inicia sempre, e obrigatoriamente, o segundo elemento coordenado;
c) a possibilidade de uma conjunção coordenativa estabelecer laços de coordenação entre duas subordinadas, o que poderá implicar a coexistência de uma conjunção coordenativa com uma subordinativa (ex.: «O João disse que ia à vila e que aproveitava para visitar um amigo»).
Centrando-nos na alínea b), e analisando as estruturas subordinadas adverbiais, verificamos que a posição inicial da oração subordinada só não é estruturalmente possível no caso das comparativas e das consecutivas (talvez, ou também, por isso, haja quem questione a sua inserção nas subordinadas prototípicas).
No caso das causais, a subordinada só não pode iniciar a frase complexa nas situações em que há subjacente um valor explicativo… e que a gramática tradicional tem classificado como explicativas. Vejamos como se comportam as frases abordadas nas diversas respostas que refere e que numeramos para facilitar a referência (no caso do verso de Camões, opto por introduzir o primeiro elemento para melhor se compreender; o * indica agramaticalidade):
(1) «Passámos a tarde debaixo do chapéu, que o calor era insuportável.»
(1.1) *«Que o calor era insuportável, passámos a tarde debaixo do chapéu.»
(2) «Empresta-me o teu dicionário, que deixei o meu em casa.»
(2.1) *«Que deixei o meu em casa, empresta-me o teu dicionário.»
(3) «Cessem do sábio Grego e do Troiano / As navegações grandes que fizeram; Que eu canto o peito ilustre lusitano.»
(3.1) *«Que eu canto o peito ilustre lusitano / Cessem do sábio Grego e do Troiano / As navegações grandes que fizeram.»
Claro que, se mudarmos a conjunção para porque, esta ordem é possível… Mas não com que…
Este é um dos aspetos que caracterizam as frases complexas relacionadas entre si com a conjunção que causal/explicativa que me leva a defender que essa conjunção deveria ser, sempre, considerada coordenativa. Isto numa terminologia que admite este tipo de coordenação…
Outro aspeto que costuma ser apontado para distinguir coordenação de subordinação relaciona-se com a posição dos clíticos que, na coordenação, surgem em ênclise (depois do verbo) e na subordinação surgem em próclise. Vejamos como se comportam, neste aspeto, em 3, a única das três frases que admite sem reservas o clítico (impossível em 1 e estranho em 2):
(3.2) «Cessem do sábio Grego e do Troiano / As navegações grandes que fizeram; Que eu canto-o.»
Imaginemos agora uma frase próxima de 2, que numeramos como 4:
(4) «Não te empresto o dicionário, que o deixei em casa.»
Como podermos verificar, na colocação do pronome há oscilação em relação à posição do clítico. Contribui este aspeto para defender que, por vezes, o que é subordinativo? Provavelmente…
De qualquer forma, de um ponto de vista meramente pedagógico, e já que estamos num mundo entre interpretações não consensuais no que se refere às explicativas, creio que seria importante associar as conjunções, tanto quanto possível, a um só tipo de relação.
Retomando a questão de saber como classificar «Que eu canto o peito ilustre lusitano» e considerando que responde positivamente a duas situações associadas à coordenação, poderemos defender que se trata de uma coordenada explicativa. E, efetivamente, o sentido dos três versos transcritos em 3 é, parece-me, explicativo, e não causal…
Todavia, realço o facto de estarmos perante uma situação charneira entre duas leituras, sendo a divergência aceitável, mesmo quando não desejada.