A justaposição de várias orações é uma opção perfeitamente aceitável, desde que se assegure que é possível a interpretação dos nexos existentes entre os vários constituintes da frase.
O caso apresentado não constitui, todavia, um caso de justaposição, uma vez que este fenómeno se caracteriza pelo facto de as orações não serem ligadas por conectores1, o que não acontece na frase apresentada, como se observa pelos destaques a negrito:
(1) «O estudante leu o texto científico para que pudesse iniciar sua pesquisa ainda que não gostasse do tema mas se saiu bem porque tinha domínio do conteúdo.»
Uma frase como (2) é um exemplo de justaposição:
(2) «Não foi ter com os amigos, estava a chover.»
A frase apresentada pelo consulente é composta por uma oração subordinante seguida de quatro orações: uma subordinada adverbial final, uma subordinada adverbial concessiva, uma coordenada adversativa e uma subordinada adverbial causal. O problema existente nesta frase não se encontra na acumulação de orações, mas nas relações que estas estabelecem entre si. Assim, a oração «O estudante leu o texto científico» é subordinante da oração «para que pudesse iniciar sua pesquisa», que estabelece a finalidade da situação descrita na subordinante. A oração seguinte, «ainda que não gostasse do tema», subordina-se a «iniciar a sua pesquisa», estabelecendo com esta uma relação concessiva, que se interpreta como não tendo força para impedir a situação descrita na subordinante (ou seja, o facto de não gostar do tema não tem força para impedir o início da pesquisa).
A meu ver, o problema na frase apresentada é introduzido pela oração coordenada adversativa, «mas se saiu bem», que estabelece, por proximidade, um contraste semântico com a oração subordinada adverbial concessiva anterior, embora, sintaticamente, se relaciona com «iniciar sua pesquisa», a qual inclui o constituinte elidido desta oração: «mas se saiu bem [da sua pesquisa]». São estas relações cruzadas que dificultam a interpretação da frase e a tornam menos aceitável.
Atendendo a este problema que tem a ver com a disposição das orações na frase e com a manutenção da relação entre elas, proponho que a frase possa ser aperfeiçoada como se propõe em (3), onde se mantém a estrutura complexa numa mesma unidade:
(3) «O estudante leu o texto científico para que pudesse iniciar sua pesquisa, na qual, ainda que não gostasse do tema, se saiu bem, porque tinha domínio do conteúdo.»
A diferença entre estas frases e a que foi apresentada pelo consulente está no facto de se assegurar que a oração «se saiu bem», que passou a ser subordinada adjetiva relativa, se relaciona com «iniciar a pesquisa».
A querer manter a ideia concessiva original, é possível organizar as orações em duas frases distintas, como se propõe em (4), onde se separam as orações, ou em (5), onde se estabelece a relação concessiva com «se sair bem»:
(4) «O estudante leu o texto científico para que pudesse iniciar sua pesquisa, ainda que não gostasse do tema. Se se saiu bem porque tinha domínio do conteúdo.»
(5) «O estudante leu o texto científico para que pudesse iniciar sua pesquisa. Ainda que não gostasse do tema, se saiu bem porque tinha domínio do conteúdo.»
Disponha sempre!
1. cf. Mendes in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1736.