Retomemos os exemplos que refere:
(1) «Desculpem-nos a nossa falha.»
(2) «Não posso desculpar ao amigo a intromissão na minha vida.»
Em ambas as frases, a acção de desculpar recai directamente sobre, respectivamente: «a nossa falha» e «a intromissão na minha vida». As duas expressões podem ser substituídas pelo pronome pessoal com caso acusativo, ou seja, com valor de complemento directo:
(1.1) «Desculpem-no-la.»
(2.1) «Não posso desculpá-la ao amigo.»
Por sua vez, o complemento indirecto é substituível pelo pronome pessoal com caso dativo:
(1.2) «Desculpem-nos a nossa falha.»
(2.2) «Não posso desculpar-lhe a intromissão na minha vida.»
Embora o verbo desculpar permita construções em que o complemento directo seja uma entidade humana, como em (3),
(3) «Desculpem-nos pela nossa falha»,
sempre que esteja presente um outro complemento directo, como é o caso em (1) e (2), a entidade humana representada deverá ser considerada complemento indirecto. Note-se, aliás, que o pronome nos que aparece em (2.2) e o pronome que aparece em (3) não estão no mesmo caso. Em (2.2) estamos perante um dativo enquanto em (3) estamos perante um acusativo, apesar de serem homónimos.
Uma frase como (4) não é aceitável num registo formal da língua portuguesa:
(4) *«Não posso desculpar o amigo à intromissão na minha vida.»
Com efeito, independentemente das possibilidades de construção do verbo desculpar, a entidade com o papel temático de destino da acção é, neste verbo, sempre uma entidade humana, que não está presente na expressão «à intromissão na minha vida».