Como referem Cunha e Cintra, a polissemia conjuncional leva a que o valor das conjunções esteja condicionado pelo contexto em que se inserem (cf. Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 586), pelo que, como refere a consulente, há casos em que, mesmo fazendo a substituição por outras conjunções, permanece a ambiguidade.
No caso da conjunção enquanto, certos autores referem que a sua classificação como conjunção proporcional (designação da nomenclatura gramatical brasileira, inexistente na tradição portuguesa) deve refletir uma dependência semântica entre as ideias apresentadas nas orações, i. e., para que uma ocorra em proporção, a primeira deve ser efetivada (cf. Maria Célia Lima-Hernandes, "Níveis no Processamento da Comparação no Português Contemporâneo [...]"). Quer isto dizer que, à margem da coocorrência temporal, terá de existir um nexo de causalidade entre os dois termos para se verificar o valor semântico de proporção.
O estabelecimento desse nexo dependerá, em boa medida, da interpretação dos falantes. No caso da frase apresentada pela consulente, poderemos considerar a conjunção como sendo proporcional se pensarmos que há um nexo entre a ação do professor (escrevendo no quadro, de costas viradas para os alunos) e a reação dos alunos (falando uns com os outros, aproveitando a desatenção do professor). Mas também poderemos considerar que as ocorrências são concomitantes e independentes.
Repare noutros exemplos.
1) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, a economia portuguesa piora.»
2) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, a sua mulher [do João] trabalha.»
3) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, a sua mulher [do João] troca de amantes.»
4) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, as suas economias gastam-se.»
5) «Enquanto o João viaja pelo mundo fora, [o João] vai gastando as suas economias.»
Em 1) e em 2), as orações subordinantes têm apenas um nexo temporal com a subordinada: a economia portuguesa não sofreu danos por o João viajar, a não ser que fosse à conta do erário público; a mulher de João trabalharia, viajasse ou não o João, a não ser que fosse só para pagar as despesas do marido.
Em 3) a ambiguidade instala-se: será por ter o marido no estrangeiro que a mulher de João tinha amantes? Não os teria antes?
Em 4) já parece ser mais provável o valor proporcional da conjunção. De resto, sentimos que podemos substituir a conjunção por uma locução conjuntiva como «à medida que» e alterar o verbo para ter um aspeto progressivo (vão-se gastando). Mas, mesmo assim, podemos dizer que «alguém vai gastando as economias do João» (por exemplo, a mulher dele e os seus amantes) e que não é ele quem gasta o dinheiro, porque faz um turismo de "mochila às costas".
Só mesmo em 5) é que o sentido proporcional da conjunção é, aparentemente, inequívoco. E, mesmo assim, depende do contexto.
Utilizando uma noção de M. A. K. Halliday, a língua é um «potencial de significado» e, neste caso particular, há entre os falantes uma troca e uma negociação do significado a partir de «uma colecção harmoniosa de significados apropriados ao seu contexto, com um objectivo comunicativo» (Carlos Gouveia, "Texto e Gramática: Uma Introdução à Linguística Sistémico-Funcional"). A ambiguidade é apenas um reflexo dessa riqueza (o que não ajudará quem procura classificar de "certa" ou "errada" uma resposta de um aluno).