Pergunta:
Estou a preparar um artigo sobre a pronúncia do r dobrado em Setúbal. Gostaria de saber porque é que os setubalenses falam desta forma. Estará relacionado com as invasões das tropas napoleónicas ou com a instalação de conserveiras francesas em Setúbal?
Obrigada.
Resposta:
As origens que apresenta para a pronúncia do /ɾ/ em Setúbal, realizado foneticamente em vários contextos como [R] (como em carro) em vez de [ɾ] (como em caro), são meramente especulativas e não há bibliografia que as suporte. Não havendo qualquer levantamento da pronúncia do xarroco (ou charroco), nome dado ao falar sadino – considerando o termo falar tal como é utilizado por Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo para referir as peculiaridades da pronúncia de certas regiões que não chegam a ser dialetos locais –, a história local dá alguma contextualização, mas é insuficiente para clarificar esta matéria.
Aquilo que se sabe é que apenas uma parte da cidade de Setúbal teria essa pronúncia, a zona do Troino, velho bairro de pescadores que teve sempre muita imigração da zona de Aveiro e da Fuzeta, mais acentuada a partir de 1860. Ou seja, apenas a zona da Anunciada (presentemente, com a mobilidade dos habitantes sadinos, será difícil localizar a origem geográfica dos falantes). A influência do falar algarvio é visível, por exemplo, na forma como o [u] em final de palavra se pronuncia [ɨ] (p. ex., dado > "dade"; momento > "momente"). Se os falares dessas regiões, eventualmente em conjunto com um hipotético adstrato francês ou outro – «língua ou dialeto falado numa região contígua àquela em que se fala outra língua e que pode influenciar esta última, na fonética, na sintaxe e, sobretudo, no léxico», Dicionário Houaiss –, vieram a resultar na transformação de [ɾ] em [R], é uma incógnita.
É certo que a cidade foi sempre muito aberta ao exterior e teve comunidades estrangeiras muito diferentes, por causa das laranjas e do sal e depois das conservas. Entre 1880 e 1920, a comunidade de estra...