Em primeiro lugar, importa sublinhar que, em casos como estes, em que existe mais do que uma possibilidade interpretativa para uma dada expressão, o contexto (linguístico ou extralinguístico) desempenha um papel fundamental para a emergência de um significado concreto. Ou seja, e como veremos adiante, a interpretação conferida à locução adverbial em causa vai depender, em grande medida, da globalidade do discurso ou das circunstâncias em que tal elemento comparece.
Isto não significa, naturalmente, que, dadas as condições necessárias, não seja possível reconhecer a saliência de cada um dos significados atribuídos à locução. Assim, numa frase como «O computador desligou-se de repente (= repentinamente/subitamente)», parece ser consensual que estamos perante uma leitura em que a locução «de repente» assume o valor de adverbial de modo, como a equivalência a formas como «repentinamente» ou «subitamente» nos sugere. Já numa sequência como «Primeiro, o João falou da sua viagem ao Brasil. Depois, a Maria contou a sua ida à Madeira. Em seguida, o Rui descreveu os quinze dias passados em Itália. De repente (= então/nesse momento/nessa altura), todos estavam a falar das suas férias», a interpretação como adverbial de tempo parece ser preferencial, na medida em que «de repente» assume valores próximos a expressões temporais como «então, nesse momento» ou «nessa altura».
O problema que se coloca com a frase que surge na questão formulada é que, na ausência de um contexto que possa desambiguar o seu significado, a expressão «de repente» pode assumir tanto um valor de modo quanto um valor de tempo. Por outras palavras, será necessário aceder a informações mais concretas sobre o contexto em que a frase é proferida para lhe conferir um significado preferencial. Vamos ilustrar este ponto em seguida.
Contexto 1: Dois falantes estão a conversar sobre um inverno que foi muito frio e chuvoso até ao dia 22 de fevereiro. No dia 23, porém, chega o sol, e as temperaturas sobem significativamente. Ao proferir a frase «De repente, o inverno apareceu disfarçado de primavera», o falante está a fazer corresponder a locução adverbial «de repente» a advérbios como repentinamente ou subitamente, o que significa que nos encontramos perante uma interpretação equivalente a um adverbial de modo.
Contexto 2: Dois falantes estão a conversar sobre um inverno em que se verificou uma antecipação do decorrer normal do desenvolvimento das condições naturais. Primeiro houve alguns dias de sol, depois as árvores começaram a ganhar folhas, e algumas plantas floriram. Ao proferir a frase «De repente, o inverno apareceu disfarçado de primavera», o falante parece estar a fazer corresponder a locução adverbial «de repente» a expressões temporais como então, «nesse momento», «nessa altura», o que indicia que estamos perante uma interpretação em que a construção em causa recebe uma leitura que equivale preferencialmente à de um adverbial temporal.