A expressão em análise ocorre no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), no verbete ainda, sendo, aí, considerada locução adverbial.
No entanto, talvez valha a pena reflectir um pouco acerca desta locução. Dizem os gramáticos que a estrutura habitual de uma locução adverbial é aquela em que temos uma preposição seguida de um nome, sem dúvida, de um adjectivo, de novo, ou de um advérbio, de longe. Ora o que temos, em ainda por cima, é, ao que parece, uma locução adverbial, de valor locativo, por cima, intensificada, ou destacada, por um advérbio, ainda. Na sua globalidade, a locução veicula uma ideia de acréscimo que se destaca, como se se tratasse do culminar de um acontecimento, ou de uma série, mais ou menos longa, de acontecimentos. O valor locativo torna-se abstracto, quase se dissolve. Além disso, assume um certo valor parentético, como se fosse uma paragem que o emissor, ou locutor, fizesse, para criar expectativa.
Na frase em apreço a locução introduz e destaca uma informação «distante da sua (casa)» que dá maior relevo ao acontecimento principal: ser a primeira vez que se participa em algo. Estamos, pois, perante uma locução que poderíamos associar aos advérbios de intensidade e grau, incidindo a intensificação, ou destaque, directamente na expressão «distante da sua (casa)», mas, porque o advérbio ainda estabelece a relação entre elementos, produzindo efeito em toda a frase.
Note-se que é comum essa ligação ser reforçada pela presença da conjunção copulativa: «Era a primeira vez que ia participar numa festa em casa alheia e, ainda por cima, distante da sua.»
Analisada a locução quanto à sua estrutura e quanto ao sentido veiculado, poderíamos colocar uma outra questão: se é uma locução adverbial poderá, em princípio, ser substituída por um advérbio. Mas qual? Assumindo que se trata de uma locução associada aos advérbios de intensidade e grau, poderíamos, por exemplo, tentar substituí-la por mais:
(1) – Era a primeira vez que ia participar numa festa em casa alheia, mais, distante da sua.
A frase (1) não me parece, todavia, veicular exactamente o sentido veiculado pela que está em apreço e que repito como (2):
(2) Era a primeira vez que ia participar numa festa em casa alheia, ainda por cima, distante da sua.
Uma das coisas que ressalta em (1), é, a meu ver, a possibilidade aproximar mais o sentido do da frase (2) através de uma pontuação diferente como se exemplifica em (1.1), ou a introdução da conjunção com em (1.2):
(1.1) – Era a primeira vez que ia participar numa festa em casa alheia. Mais! Distante da sua.
(1.2) – Era a primeira vez que ia participar numa festa em casa alheia, e mais, distante da sua.
Curiosamente, no contexto em que a frase (2) ocorre, creio que é possível substituir a locução por advérbios que, tradicionalmente, não são associados aos advérbios de intensidade, como é caso de sobretudo, mas com a necessidade de introduzir a copulativa:
(3) – «Era a primeira vez que ia participar numa festa em casa alheia e, sobretudo, distante da sua.»
O advérbio sobretudo aparece em algumas gramáticas associado ao valor modal. No dicionário da ACL, fala-se em «modo especial». Creio que na frase em apreço este modo especial é associado a uma ideia de destaque ou realce.
Sendo, de certo modo possível substituir ainda por cima por um só advérbio há, no entanto, algumas alterações de sentido que importa salientar. Com efeito, tanto o advérbio mais como o advérbio sobretudo para se aproximarem mais do sentido de (2) precisam da acção da conjunção copulativa que vai, de algum modo, estabelecer a ligação com a informação que é veiculada antes, o que é realizado em (2) de certa forma, pelo advérbio ainda, que inicia a locução. Poderemos, talvez, dizer que a locução ainda por cima se aproxima dos advérbios de frase, assim designados no Dicionário Terminológico. O advérbio mais integra-se nos advérbios de intensidade, podendo, numa construção como (1.2) aproximar-se dos advérbios de frase, tal como sobretudo, advérbio que mereceria, pela diversidade de contextos em que ocorre, um estudo mais completo do que o que aqui se pretende fazer.
Poderíamos em jeito de conclusão dizer que a situação de uso da língua coloca desafios de análise que, por vezes, dificilmente se encaixam numa classificação pré-definida.