É possível dizer «não vo-lo faz querer».
Nesta construção, vos desempenha a função de complemento indireto, e o, a de complemento direto, funcionando «faz querer ler» como um complexo verbal, em condições semelhantes à construção de auxiliar + verbo principal (cf. «pode ler»). A este tipo de construção chamam certos linguistas uma «união de orações» (cf. Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, pp. 1961-1966). Diga-se, além disso, que a estrutura em apreço tem alguma complexidade, porque associa uma construção causativa («faz querer...») à completiva de um verbo volitivo, querer (na linguística, chamado «verbo de controlo»).
Sendo assim, considere-se o uso de pronomes da 3.ª pessoa nos seguintes exemplos:
1. «Isso não faz querer ler o livro ao aluno.»
2. «Isso não lhe faz querer o livro.»
3. «Isso não lho faz querer ler.»
As frases apresentadas em 1, 2 e 3 são gramaticais. Em 1, o verbo causativo fazer associa-se à sequência verbal «querer ler o livro», cujo sujeito semântico é realizado como um complemento indireto de um complexo verbal que é toda a sequência «faz querer ler». A estrutura de 1 legitima a frase 2, e, sendo assim, também é possível pronominalizar o complemento direto «o livro», fazendo subir o pronome para junto de «faz» e operando uma combinação pronominal, tal como acontece em 3. Na perspetiva da frase 3, entende-se, portanto, que também vos possa ocorrer como complemento indireto, o que permite a combinação pronominal vo-lo:
4. «Não vo-lo faz querer ler.»
Tudo isto não exclui outra possibilidade, a de, entre fazer e «(vós/vocês) querer ler o livro», não se dar a construção de união de orações – e, nesta situação, a combinação pronominal não é possível:
5. «Não vos faz querer lê-lo.»
A função de complemento direto associada a vos fica mais clara se substituirmos este pronome pelo que lhe corresponde na 3.ª pessoa (o * marca agramaticalidade; o OK indica que que a frase é gramatical):
6. «Não faz o João querer ler o livro.»
7. «Não o faz querer o livro.»
8. *«Não o o faz querer.»
9. OK «Não o faz querer lê-lo.»
Ou seja, em comparação com 6, em que «o João» figura como sujeito, vemos que em 2 ocorre a pronominalização desse constituinte, sob a forma de complemento direto (o), que se desloca para junto de «faz», verbo causativo (fala-se de subida do clítico). Em 8, pronominalizando o complemento direto de ler, observa-se que não é possível associar o pronome átono correspondente («o livro» = «o») ao verbo que é núcleo da construção causativa – na verdade, a posição de complemento direto já está ocupada pelo o que toma a referência de «o João». Deste modo, é a frase em 9 que está correta, evitando o choque entre os dois complementos diretos.
Resta acrescentar que não é impossível ocorrer a seguinte frase:
10. «Não o faz querê-lo ler.»
Esta possibilidade pode enfrentar a rejeição de muitos falantes. Com efeito, embora se assemelhe a um auxiliar como poder («pode lê-lo» vs. «pode-o ler» – mesmo que, para alguns, esta segunda sequência resulte menos eufónica), o qual permite a associação do pronome átono tanto ao auxiliar como ao verbo principal, o verbo querer não é verdadeiramente um auxiliar e, com outros verbos, revela certo grau de dificuldade em acolher o complemento direto do infinitivo que seleciona.