Nos contextos apresentados, a ocorrência do verbo ir seguido de infinitivo não corresponde tipicamente ao seu uso como auxiliar no presente do indicativo. No primeiro contexto, ir + infinitivo pode ocorrer na oração subordinada substantiva completiva seleccionada por quero, embora com um valor não exactamente igual ao do indicativo («vais chamar»), que é o de futuro próximo:
1) «Sei que vais chamar-me em caso de necessidade» = «sei que me chamarás...»
2) «Quero que me vás chamar em caso de necessidade» = «quero que vás a determinado lugar para me chamar...»
Na frase 2, o valor semântico do verbo ir no conjuntivo revela-se muito próximo do do seu emprego como verbo principal, exprimindo movimento e intencionalidade, à semelhança de quando aparece em alguns tempos do indicativo que marcam o passado1: «Foste (pretérito perfeito)/tinhas ido (pretérito mais-que-perfeito) chamar-me sem necessidade.»
Já no segundo contexto, a aceitabilidade de «vá chover» é duvidosa, e, sem poder afirmar que é agramatical, não a recomendo por duas razões: por um lado, a locução verbal ir + infinitivo exprime o futuro próximo, estando-lhe associado um grau de certeza superior ao de «é possível»1; por outro lado, na perspectiva de ir marcar movimento e disposição para praticar uma acção como em 2, o traço animado pressuposto por este uso de ir não se afigura conciliável com o fenómeno atmosférico referido por chover e, sendo assim, resulta tão estranho dizer «é possível que vá chover» como «quero que vá chover» ou «ontem foi chover».
1 No pretérito imperfeito do indicativo, no entanto, há também ocorrências em que ir é auxiliar como no presente do indicativo: i) «ela ia trabalhar todos os dias» (verbo de movimento); ii) «ela ia chegar à tarde» (verbo auxiliar). Enquanto ii) permite a paráfrase com o condicional («ela iria chegar à tarde»), em i) o mesmo não é possível, porque só se aceita «ela iria trabalhar todos os dias» devidamente contextualizado, por exemplo, numa construção condicional («ela iria trabalhar todos os dias, se a deixassem»).
2 Observe-se, porém, que, em alternativa a «talvez chova», a frase «talvez vá chover» me parece aceitável, justamente porque o valor de incerteza introduzido por talvez não contrasta de modo tão nítido com o valor de futuridade de «vai chover».