A frase é complexa. A oração subordinante é «Certo dia, resolveu», e a subordinada substantiva completiva é «divertir-se». Observe-se, porém, que esta análise não é evidente, porque se poderia comparar os verbos resolver, decidir ou deliberar com o verbo querer, que evidencia um comportamento muito semelhante ao dos auxiliares temporais, aspectuais e modais. A classe constituída por querer, desejar, tentar e conseguir (na qual também se incluem decidir, resolver e deliberar) não tem um comportamento homogéneo), mas podemos caracterizá-la pelo facto de todos os seus membros seleccionarem um complemento de infinitivo não flexionado, cujo sujeito remete para o mesmo indivíduo que o sujeito desses mesmos verbos (ver Anabela Gonçalves e Teresa da Costa, em (Auxiliar a) Compreender os Verbos Auxiliares, Lisboa, Edições Colibri, 2002, pág. 83): (1) o João quer enganar o mundo (2) *o João quer a Rita enganar o mundo Em (1), a frase é gramatical, porque o sujeito do infinitivo se refere à mesma pessoa que o sujeito de «quer», isto é, «o João». Em (2), a sequ[ü]ência é agramatical por violar a referida condição. Contudo, constata-se que o verbo querer forma um predicado complexo com o infinitivo que selecciona, porque, tal como andar (auxiliar aspectual) e poder (auxiliar modal), os pronomes átonos podem associar-se quer a estes verbos quer aos infinitivos que os completam: (3) o João anda-te a enganar/o João anda a enganar-te (4) o João pode-te enganar/o João pode enganar-te (5) o João quer-te enganar/o João quer enganar-te. Os pares apresentados em (3), (4) e (5) revelam que o pronome átono (isto é, o clítico te) tanto pode acompanhar o infinitivo como o verbo mais à esquerda. Este comportamento mostra, segundo Anabela Gonçalves e Teresa da Costa (op. cit), que na classe verbal em apreço há verbos que podem ser «hospedeiros de clíticos dos verbos encaixados» [nas pares (3) a (5), o verbo enganar]. Contrastando com querer, os verbos decidir e resolver (bem como deliberar, entre outros) não aceitam clíticos na sua dependência: (6) o João decidiu/resolveu enganar-te (7) ?/*o João decidiu-te/resolveu-te enganar Vemos que, enquanto (6) é gramatical, a frase (7) tem grandes restrições sobre a sua aceitabilidade, podendo ser mesmo agramatical. Com efeito, o pronome átono em (7) não pode ter como hospedeiro o primeiro verbo das expressões «decidiu/resolveu enganar». Tudo isto aponta para a necessidade de o pronome átono se manter associado ao infinitivo, concluindo-se que estes dois elementos formam um domínio frásico diferente (cf. idem, pág. 85). Outro aspecto importante que confirma a heterogeneidade da classe aqui descrita, a meio caminho entre os verbos auxiliares e os verbos principais, é a dependência temporal (idem, pág. 89). Por exemplo, se querer se encontrar no passado podem ocorrer expressões com valor de futuro, desde que estas não sejam interpretadas em relação ao momento da enunciação, isto é, ao momento em que se fala (transcrevo os exemplos de Gonçalves e Costa, op. cit, pág. 89): (8) Os estudantes quiseram falar com o ministro no dia seguinte (9) * Os estudantes quiseram falar com o ministro amanhã A agramaticalidade de (9) é o resultado de a expressão de tempo amanhã localizar a situação associada à frase num intervalo de tempo posterior à enunciação. Este facto respeita a dependência temporal, porque o pretérito perfeito quiseram determina que toda a proposição associada à frase seja localizada num momento anterior à enunciação («ontem...») ou num sistema de coordenadas dela independente («naquela época..»). O predicado complexo «quiseram falar» é, portanto,incompatível com amanhã. Já com decidir (e resolver) as frases (10) e (11) são gramaticais, porque não se verificam as restrições da dependência temporal: (10) Os estudantes decidiram/resolveram falar com o ministro no dia seguinte (11) Os estudantes decidiram/resolveram falar com o ministro amanhã Penso que as frase apresentadas facultam pistas úteis para identificar quais os verbos que formam predicado complexo ( querer) e quais os que seleccionam um infinitivo que pertence a uma oração subordinada ( decidir, resolver).