Com efeito, algumas abordagens da língua consideram a construção «não mais», usada com valor temporal, um galicismo, defendendo ser preferível a opção por «já não».
Todavia, atualmente, as expressões, quando têm um valor temporal, são quase sinónimas e estão ambas corretas. A diferença entre elas tem lugar no plano aspetual, pois o advérbio já é usado quando o locutor pretende transmitir uma expectativa relativamente a algo que esperava que viesse a acontecer1:
(1) «O Pedro já começou a falar.»
Neste caso, o uso do advérbio já evidencia que o locutor tinha a expectativa de que o Pedro falasse.
Quando se afirma, como na frase apresentada pelo consulente:
(2) «Já não tenho ganas de o fazer.»
sinaliza-se que havia a expectativa de que uma dada situação tivesse lugar, o que não vai acontecer.
A frase (3), por seu turno, sinaliza a suspensão de uma situação:
(3) «Não tenho mais ganas de o fazer.»
O advérbio mais, embora expresse um valor temporal, tem também um valor quantitativo, que, neste caso, se nega. Este é um aspeto de detalhe que distingue a construção (3) da construção (2).
Evanildo Bechara, tratando as construções «já não» e «não mais», refere a seguinte distinção entre as variantes de português do Brasil e de português europeu:
«No Brasil, é mais geral o emprego de não mais em ambos os valores semânticos; em Portugal, como ensina Gladstone Chaves de Melo, já não é mais comummente usado “quando o que se focaliza é um trânsito de passado para presente”, enquanto não mais se usa quando se quer “significar o futuro em relação ao tempo indicado pelo verbo” [GM.1, 111].» (Moderna Gramática Portuguesa. Editora Nova Fronteira e Editora Lucerna, p. 364, destaques nossos)
Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as gentis palavras que nos endereça!
1. Para maior desenvolvimento, cf. Raposo et al., Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1652.