Nuno Carlos Almeida - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Nuno Carlos Almeida
Nuno Carlos Almeida
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Licenciado em Linguística (com Ramo de Formação Educacional) e mestre em Língua e Cultura Portuguesas (especializado em Metodologia do Ensino do Português LE/L2) pela Universidade de Lisboa. Leitor de português na Universidade de Zadar, Croácia (desde 2011). Autor do livro Língua Portuguesa em Timor-Leste: ensino e cidadania.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Esgotado o prazo destinado a esta fase e não havendo retificação a ser feita na ata, dou-a por aprovada.»

Na frase acima, dever-se-ia usar vírgula antes da conjunção e?

Obrigado.

Resposta:

Para responder concretamente à pergunta do consulente, dever-se-ia usar uma vírgula antes da conjunção e apenas no caso de se pretender fazer passar a ideia de que um dos factos apresentados para a aprovação da ata se assume como mais relevante do que o outro. Todavia, sendo ambos os factos considerados igualmente determinantes para a aprovação da ata, deverá manter-se a frase tal como está formulada na pergunta. Segue-se a fundamentação desta resposta.

Na frase apresentada (chamemos-lhe frase A), recorrendo à classificação usada na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013), temos uma estrutura de coordenação e uma estrutura de subordinação. Há uma oração adverbial participial («Esgotado o prazo destinado a esta fase») e uma oração adverbial gerundiva («não havendo retificação a ser feita na ata») que têm entre si uma relação de coordenação (estabelecida pela conjunção e), formando uma oração composta que, por sua vez, é subordinada à oração principal (toda a sequência)1.

Assim estruturada, a frase diz-nos que alguém deu a ata por aprovada com base em dois factos: o fim de determinado prazo e a inexistência de retificações a fazer. Segundo a gramática consultada (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013: 1720), «a coordenação caracteriza-se por formar estruturas em que nenhum dos termos tem um nível hierárquico diferente, encontrando-se todos no mesmo nível da estrutura sintática que os integra», o que faz com que as duas orações coordenadas entre si, a adverbial participial e a adverbial gerundiva, se encontrem no mesmo nível de subordinação...

Pergunta:

Estou aprendendo o português e não consigo entender (não achei nenhuma regra na Internet que explicasse isso de maneira clara) o seguinte: quando eu não devo colocar o artigo definido e quando devo, como nos exemplos abaixo.

1. «A etapa de retirada do ingresso para o campeonato UFC...» 

O texto que eu encontrei em uma revista. Por que não pode ser escrito assim?

«A etapa da retirada do ingresso», ou «A etapa da retirada de ingresso»?

Existe a regra para isso? Ou todas são corretas?

2. «O consumo de antibióticos», ou «O consumo dos antibióticos»?

3. «Economize até 30 % nos utensílios de casa», ou «em utensílios de casa»?

4. «Uso dos equipamentos de proteção individual», ou «Uso dos equipamentos da proteção individual», ou «Uso de equipamentos da proteção individual»?

Muito obrigado pela ajuda!

Resposta:

Sendo eu professor de Português como Língua Estrangeira, começo por confessar que a questão da determinação dos nomes é uma das áreas mais problemáticas não só para quem aprende esta língua mas também para quem a ensina. Acrescento que não foi por acaso que o consulente não achou nenhuma regra clara. Na verdade, este aspeto do funcionamento da língua portuguesa está dependente de múltiplos fatores, não apenas linguísticos, o que faz com que seja difícil ir além de algumas generalizações pouco aprofundadas, com base em eventuais regularidades, muitas vezes em função de exemplos concretos, o que não permite o estabelecimento de uma regra que ajude os falantes com menos intuição a sentirem segurança absoluta na comunicação. Sendo esta uma área tão difusa, não caberia aqui uma explicação cabal do assunto, pelo que me limito a avançar com algumas considerações tendo em vista o tipo de exemplos apresentados na pergunta.

Em termos gerais, em português, a tendência é para associar a presença do artigo definido à designação de uma entidade particular (ou conjunto de entidades), atribuindo-se ao nome um valor referencial e perspetivando-se uma realidade definida em concreto. Por seu turno, a ausência de determinante traduz-se numa designação mais genérica, mais focada no valor denotativo da realidade referida, numa perspetiva mais indefinida sobre o nome, enquanto conceito.

Recorrendo à classificação usada na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013), a dúvida ...

Pergunta:

Encontrei frases seguintes e não entendi muito bem a diferença em relação ao uso de tempos verbais diferentes:

a) «Já há muito tempo que não te vi.»

b) «Já há muito tempo que não te via.»

c) «Já há muito tempo que não te vejo.»

Resposta:

Pela forma como a pergunta é colocada, parece adequado incluir na resposta uma perspetiva comunicativa, mais do que exclusivamente gramatical. Nesse sentido, pensemos no uso das frases apresentadas pela consulente integradas nas seguintes situações de comunicação:

I. Encontramos alguém depois de um longo período durante o qual não houve contacto presencial.

II. Falamos com alguém ao telefone depois de um longo período durante o qual não houve contacto presencial.

1. Em situações como I e II, «não te ver» significa basicamente «não te encontrar» ou «não falar contigo presencialmente», sendo que o tópico é a longa duração da ausência de contacto, e não a localização temporal do evento «não te ver», «não te encontrar».

2. É preciso também ter presente que o uso dos tempos presente e pretérito imperfeito, por si só, permite uma leitura aspetual de hábito, de repetição regular e habitual, o que não acontece com o pretérito perfeito. Por isso, a combinação da expressão «há muito tempo» com o presente ou com o pretérito imperfeito exprime naturalmente uma duração de tempo, no entanto, a mesma expressão combinada com o pretérito perfeito aponta para uma localização temporal.

3. Assim, a frase a) («Já há muito tempo que não te vi») não é uma opção em situações como I ou II, porque seria entendida como a localização no tempo de uma situação em que «não te vi». Além disso, a não ser que ocorra num contexto e...

Pergunta:

Sei que o presente do indicativo pode também expressar ideia de futuro («Amanhã saio bem cedo» = sairei/vou sair). Mas me bateu a dúvida de se é correto usar o presente do indicativo numa frase como «se tenho tempo, vou com você ao cinema», quando se quer expressar condição no futuro – não atividade regular. O uso do futuro do subjuntivo me soa perfeito e melhor aos meus ouvidos: «se tiver tempo, vou com você ao cinema» (ou «irei», num contexto mais formal).

Dou aulas a falantes de inglês, que tendem a usar o presente do indicativo e não o futuro do subjuntivo. Acredito que minha exaustiva exposição ao inglês acabou por dificultar minha avaliação da frase.

Agradeço!

Resposta:

Na secção 38.2.5.1 da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013: 2020-2021), encontramos informação esclarecedora relativamente à questão colocada, que ajuda a consulente na explicação aos seus alunos. 

Dependendo da factualidade da proposição expressa pela oração introduzida pelo conector condicional, podemos distinguir três tipos de construções condicionais, com diferentes leituras, associadas a diferentes tempos e modos verbais: factuais, hipotéticas e contrafactuais.

Observe-se os seguintes exemplos, que mantêm a construção usada na pergunta: 

a) «Se tenho tempo, vou com você ao cinema.»/«Se tinha tempo, ia com você ao cinema.»

b) «Se tiver tempo, vou/irei com você ao cinema.»

c) «Se tivesse tido tempo, tinha/teria ido com você ao cinema.» 

Em a), temos uma interpretação factual ou real da oração condicional, isto é, «ter tempo» verifica-se ou já se verificou, interpretação que se torna mais clara em frases como «Você sabe bem que, se tenho tempo, vou com você ao cinema – é sempre assim» ou «Antes, se tinha tempo, ia com você ao cinema, mas agora, que tenho este novo emprego, não posso». Nas condicionais factuais encontramos sempre o modo indicativo

Em b), a leitura da oração condicional é hipotética, ou seja, não é certo que «ter tempo» venha a acontecer de facto, o que deixa a (não) realização da segunda oração dependente da (não) verifica...

Pergunta:

Peço antecipadamente desculpas para o meu coxo português bastante desajeitado, mas acho que estou no lugar certo para aperfeiçoá-lo. Tenho um monte de problemas com este aspeto da língua portuguesa.

«Gostaria que você soubesse» ou «Gostaria que você saiba»?

E, se não estiver a perguntar em demasia, podem dar-me as razões da escolha apropriada?

Obrigado.

Resposta:

 A forma correta é «gostaria que você soubesse». Quando gostar é usado no condicional («gostaria»), o verbo que se lhe segue deve ocorrer no imperfeito do conjuntivo.

Assim, retomando os exemplos em questão: 

a) Gostei / gostava / gostaria que você soubesse.

b) *Gostei / gostava / gostaria que você saiba.

Sabendo que o verbo gostar exige o conjuntivo quando seleciona uma oração subordinada completiva, verifica-se que se aceita a), mas não b). A dúvida é, portanto, entre a opção pelo presente ou pelo imperfeito do conjuntivo numa oração subordinada completiva finita, num caso em que o verbo principal está no condicional. De facto, em língua portuguesa, na formulação de frases complexas contendo uma oração subordinada completiva finita, existem restrições quanto à combinação dos tempos do verbo da oração subordinante e do verbo da oração subordinada finita, sobretudo em contextos que exigem o modo conjuntivo na oração subordinada, como é o caso das construções com «gostar (de) que».

Pelo facto de o verbo principal – gostar – estar aqui no condicional, não encontrei em qualquer gramática uma explicação que se aplique especificamente aos exemplos apresentados. Porém, penso que o seguinte excerto da secção 15.3.3 da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013: 545), sobre combinações de tempos no verbo principal e no verbo subordinado no modo conjuntivo em orações completivas, ajuda a resolver a questão:

 […] quando o verbo principal no indicativo está no presente, o verbo subordinado que apresenta as marcas temporais ocorre no presente do conjuntivo, e quando o verbo principal no indicativo ocorre num dos tempos pretéritos, o verbo ...