As construções em causa têm uso, conforme o consulente atesta, mas, tal como se apresentam, dificilmente se aceitam no contexto da norma-padrão. Procuremos justificar este juízo:
1. É possível que certos falantes produzam uma sequência «esqueceu-se-me de fazer alguma coisa», mas as formas tidas como corretas são «esqueceu-me comprar o pão» e «esqueceu-me de comprar o pão», embora esta última pareça menos apreciada pela escrita literária, conforme descreve a Nova Gramática do Português Contemporâneo (p. 522) de Celso Cunha e Lindley Cintra. A construção «alguma coisa esquecer a alguém » é uma construção alternativa a «alguém esquecer alguma coisa» e «alguém esquecer-se de alguma coisa» (no Brasil, também é possível «alguém esquecer de alguma coisa», apesar da censura normativa – cf. ibidem). Consiste em tratar o verbo esquecer como o verbo agradar, que se usa de acordo com o esquema «alguma coisa agradar a alguém»: deste modo, assim como se afirma «agradou-me comprar pão», também se diz «esqueceu-me comprar pão», sem criar problemas à análise gramatical convencional.
Note-se, porém, que a construção com preposição – «esquecer a alguém de alguma coisa» –, que parece impessoal, já é de aceitabilidade mais discutível, pela dificuldade de a analisar de maneira coerente, de acordo com as regras sintáticas da língua padronizada. É ainda mais difícil aceitar a construção em que esquecer ocorre não só impessoalmente mas também como verbo reflexo, segundo o esquema «esquecer-se a alguém de alguma coisa», que está subjacente a «esqueceu-se-me de comprar pão».
2. «Fugiu-se-me» é igualmente construção não aceitável, porque fugir muito raramente tem conjugação pronominal à luz da norma-padrão. «O gato fugiu-me» é sequência correta, mas «o gato fugiu-se-me» é provavelmente menos habitual, para não dizer inusitado. No entanto, é possível compreender – o que não significa aceitar – que «fugiu-se-me» apareça, afinal, por analogia com escapar-se, verbo que é, este sim, compatível com a conjugação pronominal reflexa. Com este último verbo, é, portanto, correto dizer «escapou-se-me», sendo -me uma forma de indicar que quem fala foi de alguma maneira afetado pela situação ou evento referidos pela frase.