Embora conhecida no português de Portugal, mesmo no âmbito literário, parece que a locução «de coração» tem maior tradição no Brasil.
Na atualidade, parecem encontrar-se sinais, pelo menos, no léxico – incluindo as expressões fixas –, de alguma certa convergência entre as diferentes variedades do português, a que não será estranha a facilidade de comunicação entre falantes de regiões diferentes e afastadas. Esta situação talvez seja mais observável em Portugal, em consequência do contacto prolongado com o português do Brasil pelos meios audiovisuais ou pela presença de comunidades não só desse país mas também de outros países de língua portuguesa. Não admira, por isso, que por vezes o uso de certas expressões se evidencie como mais típico do Brasil ou de Angola, sem que tal exclua a sua deteção em Portugal com frequência crescente.
Relativamente a «de coração», em vários dicionários gerais e especializados, portugueses ou brasileiros, encontram-se habitualmente registos das expressões «do coração» e «de todo o coração» – e não simplesmente «de coração». No entanto, um dicionário brasileiro – o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2004) – acolhe como subentrada de coração a locução «de (todo) coração», que significa «com todo o prazer, sinceramente» e cujo registo sugere que se emprega quer como «de todo coração» quer como simplesmente «de coração». E, querendo comparar textos portugueses com textos brasileiros por meio do Corpus do Português (CP), nota-se que é mais frequente ocorrer «de coração» a modificar verbos nos textos do Brasil. Na verdade, no CP, em 64 ocorrências de «de coração», 14 estão a associadas a verbos, que podem ser interpretados como «fazer alguma coisa de coração», isto é, «fazer alguma coisa com todo o prazer/sinceramente», como ocorre na seguinte abonação:
1. «Incapaz de namorar dois homens ao mesmo tempo, se entregando de coração nas mãos àquele de quem gostava.» (Rachel de Queiroz, Dôra, Doralina, 1975 in Corpus do Português)
Não se pense, contudo, que a expressão é completamente estranha aos textos de autores portugueses reunidos no CP. Na verdade, embora menos frequente, entre 60 ocorrências da sequência «de coração» no CP, conta-se uma efetivamente ilustrativa de «fazer alguma coisa de coração» (=«sinceramente»):
2. «... uma espécie de soberba afectuosa, era entre ambos um segredo com que confraternizavam de coração.» (Agustina Bessa Luís, Os Incuráveis, in CP).
Em suma, sem declarações categóricas acerca desta questão, dir-se-á que «de coração» é um uso bastante frequente no Brasil e menos em Portugal, onde parece preferir-se «de todo o coração» ou, mais enfaticamente, «de alma e coração» (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado).