Tenho um trabalho absorvente, que me ocupa até ao fim do corrente ano, e não posso dedicar todo o tempo que desejaria a Ciberdúvidas; mas numa ocasião especial, do seu renascimento (qual Fénix...), aproveito a oportunidade para, nesta resposta, insistir no facto de que a nossa missão conjunta (consultores e consulentes) é também estudar a `comum língua´, e não só empenhadamente defendê-la.
As normas ortográficas actuais, portuguesas ou brasileiras (nisto muito pouco diferem) apresentam excessivas regras para o hífen, sem com isso evitarem situações incoerentes. Exemplos: Como costumo referir, temos `cor-de-rosa´ (com hífenes/hifens), porque há rosas de várias cores, mas também temos cor de vinho (sem eles), embora nem todo o vinho tenha a mesma cor... Em Rebelo Gonçalves, temos: cabeça-de-casal/cavalo/porco/tremoço/vento, etc. (com hífenes/hifens) e também cabeça de comarca/Reino/motim (sem eles)...
Algumas vezes a utilização do hífen parece arbitrária. A única forma de não errar é frequentemente fazer o que a companheira de estudo Patricía fez: consultar obras que nos elucidem sobre a forma como a palavra entrou na língua. Só que, tratando-se de palavras novas, nem sempre os dicionários, ou vocabulários, ou prontuários as registam. Então é necessário recorrer à regras básicas de aplicação do hífen. Que se recordam, para os elementos autónomos como é o nosso caso:
1 Usa-se hífen quando há um sentido único (ex.: erva-doce, pois pode haver várias ervas que sejam doces, mas com hífen é esse o nome da erva com que se cozem as castanhas [Pimpinella anisum]); 2 quando há uma aderência de sentidos (ex.: tio-avô, um tio que é irmão dos avós e não dos pais); 3 no conjunto, as palavras não estão no seu sentido directo, denotativo, mas o agrupamento fica com um sentido particular (ex.: `cachorro-quente´, que é um alimento, não um cachorro que esteja quente...).
Quanto às estruturas que apresenta, de facto, não há consenso entre os lexicógrafos.
O dicionário da Porto Editora regista data-valor, mas não encontrei `data´, como primeiro elemento dum composto, no prestigiado Vocabulário de Rebelo Gonçalves, nem no recente Dicionário Houaiss-port.e (cerca de 230 000 entradas), nem no mais completo vocabulário actualizado da `comum língua´, o da Academia Brasileira de Letras, de 1998 (350 000 entradas).
No entanto, sente-se que em ambos os casos estamos em presença de elementos que formam uma unidade semântica, como em tio-avô: trata-se de uma marcação de tempo que tem a característica especial de ser o início ou o fim de qualquer coisa. Assim, não me repugna que se aceite “data-início”, “data-fim”. A proposta do Dicionário da Porto Editora para data-valor abona esta solução.
Poderia ficar por aqui, estimada companheira.
Vou, porém, alongar-me mais, porque não me sinto tranquilo com o resultado a que chegámos. As palavras “data-início” e “data-fim” são inovações não dicionarizadas. Serão mesmo necessárias?
Quando se trata de novas palavras, devemos perguntar-nos em primeiro lugar o que recomenda o novo acordo (avançado mais de meio século em relação às normas em vigor). O novo acordo simplifica alguma coisa (ex.: {fim de semana} {hei de} {coautor} {autoestrada} {antirreligioso} {cosseno}, etc.), isto é, aceita soluções agora sem hífen (e até novidades na fusão dos constituintes). No entanto, a verdade é que continua a aceitar também a regra de se respeitar a união com hífen quando há ligação sintagmática e semântica (ano-luz), o que é o caso. Por aqui, não ficamos mais seguros.
Ora, na incerteza, a pergunta que costumo fazer sempre é: «Não haverá outras soluções mais de acordo com a índole do idioma?» Assim, considerando que a nossa língua tem tendência analítica, não será preferível usar a preposição e escrever: «é a `data do início´ de», «a `data do fim´ de»? Ou, respeitando o hábito e a ordem natural dos constituintes na `comum língua´ (substantivo-adjectivo), dizer simplesmente: «é a `data inicial´», «a `data final´»?
`Esta necessidade que sinto de ponderação em palavras novas´ não é conservadorismo, mas reconhecimento de que é conveniente avaliar sempre bem se o que já temos na nossa riquíssima língua não será suficiente; ou seja, se a inovação se torna mesmo indispensável, ou se não será uma mera adaptação de soluções estranhas.
Ao seu dispor,