Compreende-se a argumentação exposta, mas o uso de travessões é funcionalmente semelhante ao dos parênteses, o que significa que do mesmo modo que, numa sequência como «em se tratando de crime (e disso entendo bem), não devemos ser lenientes»*, a vírgula segue o parêntese que fecha, também numa sequência em que se aplicam os travessões se deverá pôr vírgula após o travessão que fecha a sequência destacada.
Embora não seja este um procedimento formulado em termos obrigatórios, a verdade é que ele é seguido geralmente, como, aliás, confirmam algumas obras, por exemplo, Falar Melhor, Escrever Melhor (Lisboa, Seleções do Reader's Digest, 1991, p. 120), no capítulo "Como adquirir um maior domínio da linguagem", da autoria de Tereza Moura Guedes (manteve-se a ortografia original):
«Uma dúvida mais que por vezes se levanta é a da colocação da vírgula a seguir a um travessão ou a um parêntese. Isso é correcto quando a palavra que imediatamente precede o primeiro travessão ou o primeiro parêntese deva ser seguida pela vírgula. Nesses casos, é só após o grupo de palavras isolado pelos travessões ou pelos parênteses que se põe a vírgula, dado que esse grupo de palavras se relaciona com o que está para trás: "Quem diria que o António Ouriço, depois de morto — excogitava o tio Romualdo —, havia de arregimentar toda aquela fúria!" (Urbano Tavares Rodrigues, AM**, 64)»
Sendo assim, na frase em questão, a vírgula justifica-se, mesmo depois do segundo travessão, porque a oração «em se tratando de crime», a que se refere a sequência entre travessões, é uma oração subordinada adverbial de gerúndio que precede a sua subordinante e, como tal (especialmente neste caso), deve ser separada por vírgula. Por outras palavras, se a frase tivesse a forma «em se tratando de crime, não devemos ser lenientes», sem a oração entre travessões, seria obrigatória a vírgula; sendo assim, mantém-se a obrigatoriedade deste sinal, mesmo depois do segundo travessão que fecha uma sequência.
*N. E. (11/06/2017) – O que é dito – esclareça-se – não se refere (nem pode) a todos os travessões que fecham uma sequência intercalada. Muitos não têm de ser nem devem ser seguidos de travessão. Exemplo (adaptado do que se apresenta mais adiante no corpo da resposta): «o António Ouriço – excogitava o tio Romualdo — havia de arregimentar toda aquela fúria!» Neste caso, é impossível a vírgula depois do segundo travessão: se tal sequência entre travessões não figurasse na frase, obter-se-ia «o António Ouriço havia de arregimentar toda aquela fúriaI», sem virgula entre o sujeito («o António Ouriço») e o seu predicado («havia de arregimentar toda aquela fúria»), porque entre sujeito e predicado não se pode colocar vírgula. Se aparecer entre os constituintes com tais funções (ou depois de um verbo que seleciona um complemento direto ou outros complementos), a vírgula terá de ocorrer duas vezes para delimitar um aposto («António Ouriço, uma figura desconhecida — excogitava o tio Romualdo —, havia de arregimentar toda aquela fúria»), uma oração subordinada adjetiva explicativa («António Ouriço, que era uma figura desconhecida — excogitava o tio Romualdo —, havia de arregimentar toda aquela fúria»), ou um constituinte adverbial («António Ouriço, depois de morto — excogitava o tio Romualdo —, havia de arregimentar toda aquela fúria»). Só nestas condições e noutras semelhantes (caso da frase em questão), isto é, como sequência entre travessões que se insere numa outra delimitada por uma vírgula à esquerda e outra à direita, é que o travessão pode ser seguido de vírgula.
** Trata-se de Aves da Madrugada, Lisboa, Livraria Bertrand, 1959.