DÚVIDAS

A expressão «estar para» + lugar

Antes de mais, boa noite. Durante uma conversa com um amigo, surgiu uma duvida gramatical, após a frase «lembrei-me quando estava para a cozinha», ter sido dita.

A frase «lembrei-me quando estava para a cozinha» é gramaticalmente válida?

Quando penso na mesma, a frase que me parece correta seria «lembrei-me quando estava na cozinha», contudo, quando separo e analiso as palavras individualmente e com as respetivas ligações, não consigo encontrar um motivo para a mesma estar errada. Sendo que a ausência de motivos ainda é acompanhada pelo reforço da expressão «para a», ser comumente utilizada noutras frases tal como por exemplo, «lembrei-me quando fui para a cozinha». Neste momento, apenas estou confuso, e não consigo perceber o porquê de num sitio, soar estranho/errado.

Agradeço que quem potencialmente responder justifique e explique um pouco o porquê, independentemente de certo ou errado.

Resposta

No caso em análise, a construção «estar para» é usada coloquialmente para localizar o sujeito da frase num dado espaço físico.

A estrutura «estar para» pode ser usada com diversos sentidos, tais como «sentir disposição ou inclinação (ger. us. em orações negativas)»1, como se exemplifica em (1):

(1) «Não estou para conversas.»

Também é usada em estruturas comparativas, em construções como a que se assinala em (2):

(2) «O casaco está para o Rui como o sol está para o verão.»

A construção pode também surgir com um valor modal que assinala o início iminente de uma dada situação:

(3) «Ele está para chegar.»

Por fim, sobretudo em contextos de oralidade informal, a construção usa-se para indicar, de forma difusa, um local afastado do locutor e/ou do interlocutor onde se encontra, encontrou ou encontrará o algo/alguém. Encontramos na literatura2 registos deste uso, associados sobretudo a situações de interação verbal entre personagens:

(4) «− O rapaz − tornou Gaudêncio − esse é arraçado, mas está para o moinho, desde ontem ao pôr do sol, a moer uma fanega.» (Manuel Ribeiro, A Planície Heróica, 1927)

(5) «− O Sr. Padre Soeiro, creio que está para casa da Srª D. Arminda…» (Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires.)

(6) «− Coitado, lá está para Celorico.» (Eça de Queirós, Os Maias.)

Disponha sempre!

 

1. Consultou-se o Dicionário Houaiss.

2. Com base numa pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies.

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