Os romanos lançavam mão de vários vocábulos para designar a terra ou o solo: tellus, terra, humus, solum. O primeiro chegou até nós apenas por via erudita, através do adjetivo telúrico, enquanto o terceiro deu origem a húmus (com a variante humo), termo de significado mais restrito do que o seu étimo.
De humus provém o adjetivo humĭlis, que designava, em latim, tudo o que estivesse perto do solo ou, por extensão de sentido, tudo o que tivesse pouca altura. Servia para qualificar pessoas, animais, plantas e qualquer objeto. Por exemplo, lê-se turris humilis («torre baixa») em César e domus humilis («casa térrea») em Horácio, enquanto Cícero chamava ea quae sunt humiliora às plantas de baixo porte. Virgílio, por seu lado, na Eneida (IV, 255), referindo-se a Mercúrio e comparando-o a uma ave (avi similis), diz que «voa baixo» (humilis volat) «a rasar o mar» (iuxta aequora).
Este vocábulo, aliás, continua a ser utilizado em latim botânico, na descrição taxonómica das espécies, como atesta William Stearn, na sua obra Botanical Latin. History, Grammar, Syntax, Terminology and Vocabulary (3.ª ed., Newton Abbot, p. 341), que inclui uma lista de tamanhos das plantas, na qual humilis, traduzido por low («baixo»), é o terceiro por ordem crescente, depois de pusillus, perpusillus, traduzidos por very small («muito pequeno»), e de nanus, pumilus, pygmaeus, traduzidos por dwarf («anão»).
Já em latim clássico apresentava humilis vários sentidos figurados («de baixa condição, obscuro», «que tem sentimentos baixos», «abatido», «desanimado», «pouco importante, fraco»), mas só com os autores cristãos é que assumiu também o significado de «humilde por virtude», passando a designar igualmente aquele que, de forma mais ou menos manifesta, reconhece as suas limitações.
O referido vocábulo deu em português os adjetivos húmile e húmil, hoje cultismos, o segundo dos quais aparece sob a forma “humil” na primeira oitava de uma Petição feita ao regedor de uma nobre moça presa no Limoeiro da cidade de Lisboa, por se dizer que fizera adultério a seu marido, que era na Índia, escrita por Camões e publicada em 1616, na qual se lê: «A vós, em quem o humil necessitado / Acha sempre favor e amor ardente» (Obra Completa, Rio de Janeiro, Nova Aguiar, 1988, p. 601).
De humilis provém o superlativo humillimus, que está na origem de humílimo, superlativo absoluto sintético de humilde. Por outro lado, humilis, em latim, deu também origem a humilĭtas («pouca elevação, pouca estatura», «condição baixa, obscuridade, pobreza», «abatimento», «baixeza, pouca importância», «humildade»), do qual provém o nosso vocábulo humildade, bem como a humiliare («abaixar, abater, humilhar»), do qual procede o nosso termo humilhar, e a humilitare (com o mesmo significado de humiliare), que deu origem ao nosso verbo humildar, o qual, por derivação regressiva, deu origem ao nosso adjetivo humilde.
Em suma, existe uma relação etimológica inegável entre humilde, humildar, humildade e húmus. Refira-se, a talho de foice, que o vocábulo homem (através do latim homo, homĭnis) pertence à mesma família etimológica, ou seja, entronca igualmente no latim humus. O adjetivo humanus, porém, apesar das aparências, não pertence à mesma família etimológica, de acordo com alguns especialistas (por exemplo, F. Martin, em Les mots latins, groupés par familles étymologiques, Hachette, 1976, p. 108).