Consultório - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
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Sara Lopes Professora Lisboa, Portugal 1K

Exponho abaixo o que considero saber com certeza sobre a constituição do grupo nominal (com alguns exemplos) para depois expor as situações que me geram dúvida.

Um grupo nominal...

1. tem por núcleo um nome ou um pronome n: Lisboa pron: ele

2. ao nome podem estar associados um ou mais determinantes det art def + det poss + n: «o meu carro» det demonstr + n: «este carro»

3. ao pronome pode estar associado um determinante artigo det art def + pron poss: «o teu»

4. tanto ao nome como ao pronome pode estar associado um quantificador quant univ + det art def + n: «todos os carros» quant univ + pron: «todos eles»

5. ao nome podem ainda estar associados o complemento do nome e/ou modificadores do nome (restritivo ou apositivo) [det art def + n + [prep + det art def + n] ]: [o carro [da Maria] ] [det art def + n + [adj] ]: [o carro [azul] ]

Nos exemplos deste último ponto, o grupo nominal inclui um grupo preposicional e um grupo adjetival, respetivamente, os quais assumem as funções de complemento e modificador, respetivamente.

No entanto, há várias grupos nominais que me deixam em dúvida sobre como encarar a sua constituição, todos eles incluindo quantificadores que são expressões partitivas. Por exemplo: «alguns dos carros»/«a metade dos carros». Em ambos os exemplos, a análise que faço da estrutura é [quant [prep + det art def + n] ], o que me levou a concluir (com muita certeza de ser a conclusão errada) que o quantificador pode constituir o núcleo de um grupo nominal sendo seguido por um grupo preposicional.

Na sequência da minha confusão, palmilhei todas as perguntas na categoria de quantificadores, e selecionei duas explicações que indico abaixo e que me parecem particularmente relevantes mas que me deixam ainda perplexa.

– excerto de explicação 1.

Numa resposta do Ciberdúvidas sobre a concordância do verbo com expressões partitivas é mencionado um extrato da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pp. 942/943), que inclui o excerto abaixo:

«Admite-se que é o nome nuclear de um sintagma nominal que desencadeia a concordância verbal. Assim, [no exemplo] acima, a concordância singular corresponde a uma estrutura em que o núcleo sintático do sintagma nominal complexo é o numeral, ao passo que a concordância plural corresponde a uma estrutura em que o núcleo do sintagma nominal é o nome que denota o domínio da quantificação.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 12-02-2023)

– excerto de explicação 2.

Na resposta à questão "Percentagem + adjetivo: «31% maior", pode ler-se:

«Relativamente aos quantificadores numerais percentuais, recorde-se que estes podem incidir sobre um nome, como acontece em (1):

(1) "Dez por cento dos alunos leram este livro."

Não obstante, estes quantificadores também podem incidir sobre um adjetivo, como se verifica em (2)1:

(2) "Os livros ficaram dez por cento mais caros."

Assim sendo, podemos concluir que os quantificadores numerais têm a possibilidade de incidir sobre um adjetivo.» (in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, consultado em 12-02-2023)

– A estrutura dos exemplos com quantificadores numerais percentuais parece-me em tudo idêntica à dos meus exemplos, mas não me é claro o que a expressão «incidir sobre» significa para a análise dos constituintes do sintagma. A ideia de que «Assim, [no exemplo] acima, a concordância singular corresponde a uma estrutura em que o núcleo sintático do sintagma nominal complexo é o numeral», expressa no excerto 1, parece reforçar a minha conclusão inicial de que o quantificador pode, em expressões partitivas, ser núcleo do sintagma nominal, mas tal ideia continua a soar-me herética.

Acrescento em nota de rodapé que há vários anos que leciono acima de tudo línguas estrangeiras e que as raras vezes que trabalhei a língua portuguesa foi com alunos do 2.º ciclo. Eu tenho a noção de que estas questões podem ser consideradas avançadas, mas parece-me contraprodutivo não ter uma resposta para dar aos alunos (poucos, é certo, mas não irrelevantes) que demonstram interesse e querem saber mais. Não ter uma resposta para dar a esses alunos é especialmente desmotivante quando começam a ganhar confiança na sua capacidade de não só identificar classes de palavras, mas também de as agrupar em grupos hierárquicos e atribuir-lhes funções, pois esses poucos tentam depois por sua própria iniciativa aventurar-se mais à frente, em busca tanto de desafios como de validação dos seus conhecimentos e capacidades. A este nível não precisam de memorizar já os nomes dos diferentes tipos de complementos e modificadores, mas sabendo que cada grupo frásico tem uma função sintática, podem facilmente deduzir que aquele grupo preposicional à frente do quantificador há de ser um qualquer complemento ou modificador anónimo aninhado dentro do grupo nominal do sujeito. Infelizmente, eu não sei o que lhes dizer.

Maria Suzana da Costa Marques Pereira de Sousa Lima Docente S. João do Estoril, Portugal 3K

Quando observo a explicação dada para provas de concurso em português do Brasil sobre a expressão tal qual, em que tal concordará com a palavra anterior e a qual com a palavra seguinte, assola-me a dúvida de que tal seja correto em português europeu.

Por isso, a minha questão é a seguinte: as frases «A Rita é tal qual os pais» e «A Mariana e o Francisco são tais quais os pais» estão corretas?

Fátima Galvão Formadora Cascais, Portugal 1K

Num artigo deparei-me com a seguinte sequência: «Quanta luz é o suficiente para...»

Tendo em conta que luz é nome feminino, não deveria existir uma concordância entre esse nome e a expressão «o suficiente»?

Sei que «o suficiente» é uma expressão adverbial, contudo sendo o verbo ser selecionador de predicativo do sujeito, pergunto se é possível manter a estrutura da expressão adverbial.

Obrigada.

João São Marcos Advogado Porto, Portugal 975

No slogan de uma empresa de bebidas como deverá dizer-se?

1. Bebidas é connosco!

ou

2. Bebidas são connosco!

Existem algumas frases em que me parece não ter de haver concordância, dado que falamos mais de um conceito que do substantivo propriamente dito: «O meu cão é só asneiras!»

Obrigado.

João São Marcos Advogado Porto, Portugal 843

Gostaria de saber, nas frases abaixo, qual a forma correta:

A. Vou partir esta laranja em DUAS.

B. Vou partir esta laranja em DOIS.

Obrigado desde já pelo esclarecimento.

Mari Alves Professora Lagoa da Prata, Brasil 815

Em relação à concordância verbal a frase abaixo está correta?

«Sua vida era a escrita, a leitura, a música.»

Obrigada.

João Godinho Radialista Lisboa, Portugal 923

Qual destas formulações está correta?

«Quem canta assim é José Oliveira e Carlos Parreira»

ou

«Quem canta assim são José Oliveira e Carlos Parreira»?

Obrigada.

Roberto Andrade Servidor público Rio de Janeiro, Brasil 1K

Recentemente, eu li uma definição que mexeu comigo. Aprendi a minha vida toda que um verbo de ligação mais um predicativo automaticamente pedem um sujeito (assim está na gramática de Pasquale e Ulisses).

Porém... o mundo não é feito apenas de 'coisas' boas e fáceis!

Celso Cunha e Lindley Cintra usaram uma definição que vai totalmente de encontro ao meu aprendizado:

«Nas orações impessoais o verbo ser concorda em número e pessoa com o predicativo.»

Repararam?

Oração sem sujeito+verbo de ligação+predicativo.

Ou seja, na frase «são 14 horas», eu tenho um predicativo sem sujeito?

Obs.: Luft também coloca predicativos sem sujeito em seu Dicionário Prático de Regência Verbal.

Desde já agradeço a enorme atenção que sempre tiveram com «curiosos da Língua Portuguesa».

Farajollah Miremadi Engenheiro Lisboa, Portugal 1K

Na CNN Portugal li a frase seguinte : «Tínhamos medo de viajar e sermos atingidos...»

Podia dizer-me como é que o escritor decide usar o segundo verbo no infinitivo pessoal ("sermos", e não "ser"), enquanto o primeiro verbo está no infinitivo ("viajar", e não "viajarmos") ?

Julian Alves Estudante Roma, Itália 1K

Numa resposta a uma pergunta feita por mim, cujo título é “Concordância com infinitivo: 'Agrada-me dançar e cantar'”, a consultora Carla Marques disse: «um sujeito composto por duas orações coordenadas desencadeia uma concordância na 3.ª pessoa do singular». E justificou citando um trecho da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian). Compreendi muito bem a sua resposta, pela qual lhe fico muito agradecido.

Só que, lendo na Nova Gramática do Português Contemporâneo de Lindley Cintra e Celso Cunha, em relação a concordância, apareceu o seguinte:

«Mas o verbo pode ir para o plural quando os infinitivos exprimem ideias nitidamente contrárias:

«Em sua vida, à porfia, Se alternam rir e chorar.» (A. de Oliveira, Póst., 43.).” »

Aí, eu pergunto:

1.º Por que há a possibilidade de o verbo ir para a 3.ª pessoa do plural, já que o sujeito feito de infinitivos não possui um núcleo pronominal ou nominal a ser fonte para uma concordância numérica?

2.º Então, teria de aceitar que «rir e chorar» são sujeitos compostos apesar de não possuir um núcleo pronominal ou nominal?

Desde já, muito obrigado.