« (...) Diziam-me quando eu exagerava. Dizia-me quando eu não me calava. Diziam-me quando eu insistia. Diziam-me quando eu tinha bebido um copo a mais e pedia só mais um. (...)»
Levei uns dias a perceber o que queria dizer «Tem avondo». No Algarve diziam-me a torto e a direito pelas mais variadas razões «Tem avondo», com ou sem ponto de exclamação: «Tem avondo!»
Diziam-me quando eu exagerava. Dizia-me quando eu não me calava. Diziam-me quando eu insistia. Diziam-me quando eu tinha bebido um copo a mais e pedia só mais um.
Pensei que quisesse dizer «tem juízo» e, até certo ponto, até quer. Pensei que pudesse querer dizer «tem tino», «modera-te», «tens de aprender a controlar os teus apetites» ou, com voz de fartura, «tem dó de mim». E, até outro ponto igualmente certo, até pode.
Afinal, «tem avondo» significa «já chega». Significa «já é suficiente, muito obrigado» ou mesmo «já é suficiente, porra!»
Diz-se no Baixo Alentejo e no Sotavento algarvio onde fica mal as pessoas não terem noção do que é o avondo. Ou do quanto constitui uma coisa avonda. Ou terem a mania de ir sempre além do que seria considerado aceitavelmente avondo.
Parece que avondo é da família de abundar, da abundância e, de um modo geral, de ter mais do que se precisa. Daí que dizer «tem avondo» possa traduzir-se, para bem de quem não gosta de estar calado, por «porque queres tu continuar nessa demanda insana, se já possuis em abundância aquilo que procuras?»
«Tem avondo» também é uma filosofia de vida: contenta-te com o que tens e não me chateies». Sobretudo o «não me chateies».
Eu digo «lembrei-me de outra aldeia de Sintra que tem coreto, pelourinho e chafariz». E responde a mais paciente das algarvias: «Tem avondo, Miguel».
Crónica do autor publicada no jornal Público no dia 3 de junho de 2020, escrita segundo a norma ortográfica de 1945.