« (...) É que orçamento aplica-se a tudo, mas preventivo é mais polissémico. Tem um ímpeto de aviso, de quem prepara o potencial cliente para o chimbalau e, pelo menos para nós portugueses (...).»
A semana passada pedi um orçamento a uma fábrica italiana e fiquei espantado quando recebi um preventivo. Não será preferível à palavra orçamento?
É que orçamento aplica-se a tudo, mas preventivo é mais polissémico. Tem um ímpeto de aviso, de quem prepara o potencial cliente para o chimbalau e, pelo menos para nós portugueses, tem um eco impeditivo, como se secretamente nos quisesse convidar a ter juízo.
Outra palavra que daria jeito é tchotchke, que designa um tareco, um objeto sem utilidade, beleza ou razão de existir, que se arruma numa prateleira qualquer, na esperança de ser esquecido. Vem do iídiche e Leo Rosten, no sempre divertido Joys of Yiddish, também escreve tsatske.
O indispensável Ciberdúvidas da Língua Portuguesa dá-nos a conhecer o regionalismo turgia/trugia, usado no Alentejo e no Algarve, e cita a definição dada no sítio O Parente de Refóias: «Utensílios pessoais com pouco valor, geralmente embrulhados num pano; tarecos; tranquitanas; traquitanas.»
Já a uma texosca não se pode atribuir a mais pequena suspeita de utilidade. Talvez se possa aplicar a certas pessoas menos decorativas do que talvez pensem, na tradição de traste, que trouxemos do mundo do mibiliário para caracterizar os velhacos mais parados.
Finalmente há palavras portuguesas que mereciam ser mais usadas: por exemplo, chorume. Porque há-de estar sempre casada com a palavra estrume? E porque não há uma banda portuguesa de death metal chamada Necrochorume?
Quanto as mentiras forem fétidas, não poderão ser promovidas de chorrilho a chorume de mentiras? Quando alguém faz falsas queixas, destinadas a enganar o próximo, não será isso um chorume? E as lágrimas de crocodilo mais nauseabundas? Que outro nome poderiam ter?
Crónica publicada no jornal Público no dia 17 de fevereiro de 2021. O autor segue a norma ortográfica de 1945.