« (...) Era eu miúdo e o meu pai já me chateava para não dizer “é suposto”. Não sei o que ele diria hoje do horror do “expectável”. (...)»
Era eu miúdo e o meu pai já me chateava para não dizer «é suposto». A minha resposta era bocejar e piscar o olho à minha mãe. Tudo isto tinha mais graça porque o meu pai também falava connosco em inglês.
Não sei o que ele diria hoje do horror do “expectável”. É expectável no médico, expectável na economia, expectável no ministério, expectável na pandemia. Não era expectável que se alastrasse desta maneira. Aliás, era absolutamente inexpectável. Será travável? Será contrariável? Haverá um xarope que se possa tomar para aliviar tanta expectoração?
Ontem explicaram-me que expectável era um anglicismo. Ah sim, perguntei eu, se tivera coragem, e de que palavra inglesa é que vem? De expectable? Diogo Infante tem sido esplêndido no trabalho que tem feito [no programa Cuidado com a Língua!] na RTP para bem da língua portuguesa. Diz os erros frequentes com tal naturalidade que nos torna cúmplices deles, para depois ficarmos violentamente chocados pela denúncia do erro e podermos absorver melhor a versão correcta.
Veja-se, como exemplo, a lição definitiva sobre o “é suposto”, dada com Maria Flor Pedroso e escrito pela sapientíssimo José Mário Costa¹. Note-se que é um anglicismo invulgarmente interessante, sobretudo quando se junta ao nosso, portuguesíssimo infinitivo pessoal: «é suposto irmos ao teatro».
Em inglês tem de se dizer we're supposed to go to the theatre. Mas, por retroacção sintática do «é suposto», ouço portugueses a dizer em inglês, erradamente, "it's supposed that we go to the theatre". Isto não obstante eu ter inventado aquilo da retroacção sintática.
Uma boa solução para o «é suposto» é dizer «a ideia era» ou «a ideia é». E em vez do "expectável” diz-se «é de esperar» ou «é natural« ou «bate certo» ou, melhor ainda, só «claro».
¹ Com a apresentação do ator Diogo Infante e a locução da jornalista Maria Flor Pedroso, o magazine televisivo Cuidado com a Língua! tem a autoria do jornalista José Mário Costa, com a participação da professora Maria Regina Rocha (consultora linguística) e dos guionistas João Lopes Marques (até à sétima série) e Paula Campos. A realização tem a assinatura de Ricardo Freitas, com a produção, grafismo e edição da produtora Até ao Fim do Mundo. Cf. RTP Ensina
Crónica do autor aqui transcrita, com a devida vénia, do jornal Público do dia 30 de março de 2021, escrita segundo a norma ortográfica de 1945.