O verbo acreditar tem a forma reflexa, ou pronominal, à qual são atribuídas duas interpretações diferentes. Uma, mais antiga, considerada popular – eu diria de cariz regional, pois creio que não é utilizada em todo o país – e na qual o pronome tem apenas um efeito enfático em contextos como «Disseram que foi o João quem roubou o carro, mas eu não me acredito nisso». Outra, talvez mais recente, que pode ser verificada no Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e no dicionário “on-line” da Priberam, significando ganhar reputação, como em «Acreditei-me junto daquela empresa e tenho sido beneficiado com isso».
A forma «eu não me acredito» é, pois, não só da língua portuguesa, mas específica do português europeu e, em contextos informais, pode ser utilizada como enfática, enquanto que, no sentido de ganhar reputação, não tem entraves a não ser, como todas as palavras, contextuais. Quanto a supostamente, sem contexto, não consigo perceber qual o problema que existe com esta palavra. Trata-se de um advérbio de modo, bem formado, a partir do feminino do adjectivo suposto e tem um significado claro.
Em relação a «é suposto que» seria imprescindível o contexto para compreender a sua dúvida, ou melhor, o seu protesto. Na ausência desse contexto vou especular um pouco. Suposto é, para além de um adjectivo, como já vimos, o particípio passado do verbo supor, que é um verbo transitivo, com uma utilização não muito frequente na passiva. Com efeito, a maior parte das situações em que é utilizado na forma passiva ocorre na terceira pessoa do singular, constituindo, de certo modo, uma forma fixa, que se inclui no conjunto de expressões que têm como sujeito uma oração relativa livre. Vejam-se os exemplos:
(1) Suponho que acabarei o trabalho dentro do prazo
(2) É suposto que acabarei o trabalho dentro do prazo
(3) Supõe-se que acabarei o trabalho dentro do prazo
(4) É possível que acabe o trabalho dentro do prazo
Tanto em (2) como em (4) a frase introduzida pelo relativo sem antecedente desempenha as funções de sujeito. A grande diferença entre elas é que (2) é a passiva de (1), podendo a mesma mensagem, para além dessas duas estruturas, ser veiculada através da forma pronominal, como se verifica em (3).
Para além disso, existe ainda a locução conjuncional suposto que, com sentido de admitindo que, ainda que.
Em síntese, qualquer das situações que coloca à apreciação do Ciberdúvidas tem o seu lugar e a sua justificação na língua portuguesa. É preciso ter sempre em conta que a língua não é uniforme, que ela se adapta aos mais variados contextos, permitindo-nos comunicar nos mais variados registos. Pela sua exposição parece-me que os exemplos apresentados foram retirados de situações de oralidade. Pelo menos é o verbo ouvir que repete. E todos sabemos que a oralidade, pelas suas características, não obedece estritamente às regras do texto escrito.
Permita-me apenas um reparo em relação ao seu texto que, esse sim, é escrito. Vou para isso citá-la: «é frequente ouvir os «supostamente» ou o «é suposto que», coisa que eu, tendo frequentado o Curso de Línguas e Literaturas Modernas, me faz sentir tremendamente irritada.» Diga-me, aquele eu é sujeito de que verbo? Será que quis mesmo escrever «que eu me faz?». Como pode ver «no melhor pano cai a nódoa»… E se não somos um nadinha tolerantes, como queremos que o sejam connosco?
Com o que acabei de dizer, abstenho-me de comentar a sua interrogação final. Caso contrário, teria que lamentar a bitola estreita com que alguns professores medem a enorme variedade da língua portuguesa e, consequentemente, a ideia limitativa que poderão passar em aula.