Existem há décadas na escola pública portuguesa meninos cuja primeira língua não é o português, mas até há relativamente pouco tempo não se prestou atenção à sua existência, ou porque eram filhos de imigrantes de países de língua oficial portuguesa e, portanto, haveriam de saber português, ou porque eram filhos de emigrantes portugueses que haviam regressado e, portanto, também haveriam de saber português. Estes meninos passavam completamente despercebidos às escolas escola, onde só se ensinava português como língua materna.
Os “meninos invisíveis” ou eram muito envergonhados e inseguros, ou perturbavam as aulas; todos tinham muitas dificuldades de aprendizagem e de concentração. A maioria destes meninos reprovou anos a fio e acabou por desistir da escola, nunca dominou a língua escrita nem a norma-padrão. Raros foram aqueles que frequentaram ou concluíram cursos superiores. Quase todos acabaram por não concluir sequer o ensino obrigatório e por não adquirir competências que lhes permitissem ter empregos justamente remunerados.
No entanto, a partir dos anos 90 começou a aparecer nas escolas uma segunda vaga de meninos que não tinham o português como língua materna, mas estes eram muito diferentes, filhos de imigrantes em Portugal, a maioria dos quais provindos de países do leste europeu. Estes meninos, ao contrário dos anteriores, eram muito visíveis. Bem comportados, intervinham nos trabalhos da aula, rapidamente ganhavam confiança em si mesmos e a confiança dos professores. Quase todos se integravam na comunidade escolar e eram elogiados pelo bom comportamento, sentido de responsabilidade, trabalho árduo, grandes capacidades, apesar das evidentes dificuldades linguísticas. A maioria aprendeu a dominar com mestria a língua escrita e a norma padrão. Raros foram os que reprovaram ou desistiram, ou que não frequentaram cursos superiores.
A visibilidade destes meninos teve como consequência a perceção de que o português pode ser, e até é frequentemente, língua não materna das crianças que frequentam a escola. Surgiram deste modo estratégias específicas para a plena integração destas crianças no meio escolar, além dos programas de português como língua não materna nos currículos escolares. Os professores estão hoje mais conscientes, recetivos e bem preparados para avaliar a situação de partida dos seus alunos, acolher o multilinguismo e a multiculturalidade, assim como para ensinar português de formas diferentes.
(Áudio disponível aqui)
Apontamento da autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 28 de junho de 2020.