Texto incluído numa série de esclarecimentos e considerações – ler "Unidades Maltratadas", "Sobre os nomes e símbolos das unidades físicas" e "Sobre a escrita dos números, das horas e de outras representações" – que Guilherme de Almeida, autor de Sistema Internacional de Unidades – Grandezas e Unidades Físicas, Terminologia, Símbolos e Recomendações, elaborou para o Ciberdúvidas, a respeito de vários aspetos das normas respeitantes à terminologia e aos símbolos usados no discurso técnico-científico. Este artigo apresenta alguns critérios na formação dos nomes de unidades que requerem o exame atento de quem procura conciliar as necessidades da linguagem técnico-científica e os padrões fónicos, morfológicos e gráficos das línguas naturais. Fica aberto o debate.
O Sistema Internacional de Unidades (abreviadamente designado pela sigla "SI", normalizada sem pontos) é o sistema de unidades legal em Portugal desde 1983, embora já antes fosse utilizado no nosso país. É também o sistema de unidades actualmente mais difundido e utilizado em quase todo o mundo. No SI definem-se unidades para todas as grandezas: as unidades de base e as unidades derivadas.
Lista completa das unidades de base: http://www1.ipq.pt/PT/Metrologia/Pages/SI01.aspx
Exemplos de unidades derivadas: http://www1.ipq.pt/PT/Metrologia/Pages/SI02.aspx
Verifica-se que, para cada grandeza, a respectiva unidade SI não se adequa a todas as situações, o que é compreensível. Atente-se, por exemplo, no metro, unidade de comprimento do Sistema Internacional de Unidades. O metro é prático para indicar o comprimento de uma sala ou de um automóvel, mas pouco conveniente para expressar a espessura de uma folha de papel (0,0001 m), sendo preferível utilizar o milímetro (neste caso ficaria 0,1 mm). Por outro lado, nas distâncias muito grandes, o metro é demasiado pequeno: não dá muito jeito dizer que a distância entre duas cidades é 1 297 200 m, sendo preferível utilizar o quilómetro e dizer que tal distância é 1297,2 km. Nestes exemplos utilizámos um submúltiplo do metro, o milímetro (0,001 m), e depois um múltiplo, o quilómetro (1000 m). Porém, há muito mais submúltiplos e múltiplos do metro. E, é claro, o mesmo se pode dizer de todas as outras unidades.
Os prefixos SI permitem obter unidades menores (submúltiplos) ou maiores (múltiplos) do que uma dada unidade, possibilitando maior flexibilidade de utilização. Alguns destes prefixos são de utilização corrente pelo cidadão comum; outros aparecem só em domínios técnicos e científicos mais especializados. A tabela seguinte mostra os prefixos SI de uso mais corrente no dia-a-dia.
O prefixo “quilo” tem como símbolo um “k” minúsculo, para que não se confunda com o símbolo do kelvin (unidade de temperatura absoluta), que é “K”. A lista completa dos prefixos SI encontra-se aqui: http://www1.ipq.pt/PT/Metrologia/Pages/SI03.aspx
A utilização dos prefixos SI segue regras próprias, das quais se indicam seguidamente as principais.
1. A formação do nome de um múltiplo ou de um submúltiplo de uma unidade faz-se estritamente escrevendo o nome do prefixo seguido nome da unidade, sem hífen, sem espaços, sem mudanças de escrita nem ajustes gramaticais: algo como "nomedoprefixonomedaunidade". Por exemplo, escreve-se milisegundo (e não milissegundo), sem duplicar o "s" como determinaria a gramática. Neste exemplo, associou-se o nome do prefixo "mili" (0,001) ao nome da unidade SI de tempo (o segundo). Note-se que, neste critério, não existe excepção quando a unidade inicial é o metro.
2. Os prefixos SI não se acumulam, ou seja, não se pode usar um prefixo seguido de outro prefixo. São assim inadequadas as tentativas de formar "prefixos compostos" como, por exemplo, "milimicro" (para isso existe o prefixo "nano"), "quiloquilo" (para isso temos o prefixo "mega"), "decaquilo", etc.
3. Como a unidade de massa do SI (o quilograma, kg) já tem um prefixo associado (quilo), neste caso especial a formação de múltiplos e submúltiplos, para unidades de massa, faz-se antepondo o nome do prefixo à palavra "grama" (e não à palavra "quilograma"). Por exemplo, micrograma, miligrama, decigrama, hectograma, quilograma, etc. Por outro lado, apesar do termo "miria", do grego myriás, significar 'dez mil', esse prefixo não faz parte dos prefixos SI. Logo, não tem cabimento utilizar a palavra "miriagrama" como unidade hipotética para significar 10 000 g (10 kg). Por outro lado, a impossibilidade já referida de acumular prefixos elimina a hipótese de uma unidade chamada "decaquilograma" (também para designar 10 kg).
5. A formação do símbolo de um submúltiplo ou de um múltiplo de uma unidade faz-se associando o símbolo do prefixo ao símbolo da unidade, sem espaço entre eles e sem hífen. Por exemplo, o símbolo do quilovolt (1000 V) é "kV"; o símbolo do megahertz (1 000 000 Hz) é "MHz"; o símbolo do milisegundo (0,001 s) é "ms". Os símbolos dos prefixos, tal como os das unidades, escrevem-se sempre com caracteres direitos (também chamados caracteres redondos). Por exemplo, o símbolo do prefixo mega é "M" (e não "M").
6. Qualquer múltiplo ou submúltiplo de uma unidade SI, criado com os prefixos SI, pertence ao Sistema Internacional de Unidades. Porém, a designação "unidade SI", para cada grandeza, refere-se estritamente à unidade – propriamente dita – dessa grandeza. Por exemplo, o milímetro, o decímetro, o metro e o quilómetro pertencem ao SI, mas a unidade SI de comprimento é o metro.
7. Nos nomes dos múltiplos e submúltiplos das unidades, a sílaba tónica está, em regra, na unidade e não no prefixo: quilovolt (tónica no "vo"), microampere (tónica no "pe"), megahertz (tónica no "he"), etc. Porém criou-se o mau hábito de proceder de modo diferente quando a unidade é o metro: daí derivaram o milímetro, o centímetro, o hectómetro, o quilómetro, etc., com sílabas tónicas sempre no prefixo, o que entra em contradição com o ponto 1, o que não devia acontecer. Só Portugal e a Espanha (ou nações que falem as línguas originárias destes países, e. g. Brasil, Venezuela, etc.) caíram nesta situação. De facto, em coerência com quilovolt, miliampere, etc., e até pelas regras de utilização dos nomes dos prefixos (ponto 1) deveria ser "milimetro", "centimetro", "hectometro", "quilometro", etc. (sempre com a sílaba tónica no "me"). No entanto, a legislação portuguesa ainda determina "milímetro", "centímetro", "hectómetro", "quilómetro. Por enquanto (em 2015), é esta a forma correcta de escrever os nomes dos múltiplos e submúltiplos do metro. Mas isso poderá mudar.
Notas complementares
Repare-se que os prefixos não são acentuados em si mesmos, sendo os que geram submúltiplos (0,1 ou menor) de raiz latina e os múltiplos (10 ou maior) de raiz grega. Utilizando um exemplo corrente, devia juntar-se "quilo" (não possui nenhum acento) a "metro" para formar "quilometro" (palavra grave); em vez disso, escrevemos "quilómetro" (palavra esdrúxula). É claro que não deveria ser assim, mas a tradição e o hábito vão custar a erradicar.
É claro que haverá quem argumente que, por exemplo, a palavra "voltímetro" inclui o sufixo "metro" e tem a sílaba tónica no prefixo. É verdade, mas trata-se de uma situação diferente. Veja-se que "voltímetro" (grosso modo, instrumento que mede "volts") não possui um prefixo SI antes de "metro": "volti" não é nenhum prefixo SI (prefixo no sentido gramatical, obviamente é-o, mas não é um gerador de múltiplos ou submúltiplos). O mesmo se pode dizer de "densímetro" ("densi" não é prefixo SI), de "fotómetro", etc.
Há pois uma diferença clara entre a formação – quanto à localização da sílaba tónica – de uma palavra prefixada com um elemento que não é prefixo SI (por exemplo "clinómetro") e outra que usa como prefixo um elemento que designa um factor multiplicador (micro, mili, deca, hecto, quilo, mega, etc.). Todas incluem prefixos no sentido lato da gramática; porém, as palavras do segundo tipo estão sujeitas a regras de normalização e é daí que deriva a diferença de critérios. Reposicionamos a sílaba tónica em "voltâmetro" e "ohmímetro", mas não o deveríamos fazer em "quilómetro" nem em "nanómetro" (embora por tradição, e ainda dentro da legalidade de 2015, o possamos fazer).
Em geral, as palavras prefixadas e acabadas em "metro", com a sílaba tónica no prefixo, são nomes de instrumentos de medição ou de aparelhos laboratoriais: amperímetro, barómetro, calorímetro, clinómetro, cronómetro, densímetro, dinamómetro, fotómetro, frequencímetro, luxímetro, manómetro, multímetro, ohmímetro, termómetro, velocímetro, voltímetro, voltâmetro, wattímetro, etc. Trata-se de uma situação diferente, sujeita a diferentes regras e não submetida à normalização atrás referida, no ponto 1, para a formação dos nomes dos múltiplos e submúltiplos de unidades.
Tendências futuras
Já está em marcha a tendência para a futura escrita (e pronúncia) "milimetro", "centimetro", "quilometro", etc., como palavras graves. E talvez ainda venhamos a escrever kilometro (renomeando o prefixo como "kilo"). Sobre estas e outras tendências, veja-se este documento:
Vocabulário Internacional de Metrologia – Conceitos fundamentais e gerais e termos associados (VIM 2012), Instituto Português da Qualidade, 2012 [especialmente as páginas iii e iv (da parte introdutória) e, em seguida, as páginas 7 a 10].
Estas alterações, mesmo depois de legisladas (ainda não o foram), demorarão décadas a entrar no uso corrente, como se pode aferir pelos casos do "grau centígrado" (abolido em 1948) e do "mícron" (abolido em 1967), mas ainda hoje (2015) utilizados por algumas pessoas. As tradições nem sempre justificam a sua continuidade, sobretudo quando criam dificuldades ou colidem com normas.
[O autor não segue o Acordo Ortográfico de 1990.]
Fontes de informação complementar:
Guilherme de Almeida., "Como utilizar corretamente símbolos e nomes de unidades", Sul Informação, 11/09/2013
Guilherme de Almeida, Sistema Internacional de Unidades, Lisboa, Plátano Editora, 2002
Le Système international d'unités, 8.ª edição, Organisation intergouvernementale de la Convention du Mètre, 2006
Enquadramento legal do Sistema Internacional de Unidades
Decreto-Lei n.º 427/83, de 7 de Dezembro
Decreto-Lei n.º 320/84 de 1 de Outubro
Decreto-Lei n.º 128/2010, de 3 de Dezembro
N. E. – Os pontos 1 e 7 deste artigo são discutíveis e suscitam a seguintes observações:
Em relação à forma "milisegundo", diga-se que ela contraria a ortografia do português: a palavra deverá ter a forma milissegundo no contexto do Acordo Ortográfico de 1990 (presume-se que também no âmbito da anterior norma gráfica, mas faltam exemplos com este ou outros prefixos, em contexto semelhante, no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940 e no Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves). Além disso, verifica-se que as diferentes línguas oficiais dos países que aderiram ao Sistema de Unidades (SI) escrevem os nomes das unidades conforme as respetivas convenções ortográficas. É certo que, em inglês, se escreve millisecond (inglês) e, em espanhol, milisegundo, com apenas um s, mas os prefixos e os nomes prefixados estão configurados conforme a ortografia e a morfologia de cada língua: milli (inglês) vs. mili (espanhol); second (inglês) vs. segundo (espanhol). Se é assim, não se entende porque teria milissegundo de exibir apenas um s: ao contrário do inglês ou do espanhol, seria a forma portuguesa a adotar uma grafia estranha à língua.
Quanto ao ponto 7, sobre a necessidade de quilómetro perder o acento gráfico e passar a "quilometro", é também estranho que o português tenha de dar à palavra um padrão diferente do geral, quando nas outras línguas dos países signatários se faz sempre as necessárias adaptações, mesmo no plano dos padrões de acento tónico e da sua representação gráfica. Refira-se que, no francês se grafa kilomètre, mas é preciso assinalar que esta língua tem acentuação oxítona e os paroxítonos que tem acabam em e, que corresponde foneticamente ao chamado e mudo, muitas vezes elidido; contudo, já no inglês britânico, escreve-se kilometre com acento principal na primeira sílaba e secundário na sílaba -me-. Não parece, portanto, impor-se a necessidade de outra acentuação na forma portuguesa.