«(...) Façamos algum silêncio para escutar as conversas banais que se soltam pelo espaço público. Resultado? Ficamos envergonhados com aquilo que ouvimos.»
Os portugueses não têm uma boa expressão oral. Porque a escola não desenvolve uma preparação adequada a esse nível. Porque os próprios professores também apresentam aí sérias limitações. Eis um labirinto donde parece impossível sair. Há formas de neutralizar esta enorme limitação.
O problema do pouco à-vontade que (quase) todos sentem na expressão oral, principalmente quando esta assume contextos públicos, deve ser procurado, em primeiro lugar, no nosso sistema de ensino. As escolas não preparam os alunos para se expressarem de forma correta e expedita. Chegados ao Ensino Superior, as provas orais mais parecem calvários, de travessia árdua e temerosa. Fazendo a passagem para o mercado laboral, eis os jovens, e posteriormente os adultos, com sérias dificuldades para apresentar de forma fluente os seus pontos de vista, para coordenar eficazmente recursos humanos, para expor com clareza dificuldades ou para partilhar sucessos no registo adequado...
Refiro um problema de difícil resolução. Porque, antes de tudo, é preciso bons professores nos ensinos Básico e Secundário. Ora, as universidades portuguesas não fazem uma formação sólida no que diz respeito à expressão oral. Porque também os professores do Ensino Superior não apresentam muitas vezes esse saber (fazer). Estamos num dédalo. Que se exige que seja exterminado rapidamente. Em primeiro lugar, por quem tem poder para instituir a oralidade como uma aposta de fundo de todos os graus de ensino e de todas as áreas, ou seja, os ministérios da Educação e do Ensino Superior, devendo essa aposta corresponder a um compromisso assumido por todas as sensibilidades político-partidárias. Porque não podemos alterar prioridades cada vez que há novas equipas governamentais.
Reconhecido o problema e admitindo que é pela ação política que tudo deverá começar a ser minimizado, há que fazer mudanças. Rapidamente e em força. E para que a base seja sólida, seria necessário começar por reciclar competências de quem está no topo da pirâmide, ou seja, dos professores do Ensino Superior, principalmente daqueles que formam educadores de infância e professores dos ensinos Básico e Secundário. Para que estes possam depois ensinar (bem) essas competências aos seus estudantes.
Trata-se aqui de um enorme desafio cujos resultados demorarão muitos anos a tornarem-se visíveis. Mas valeria a pena encarar isto de frente. Claro que estamos vulneráveis a uma vontade política transversal a todos os partidos. Claro que nos sentimos vergados às decisões das universidades que têm uma certa autonomia para construir as formações que oferecem... Estamos, na verdade, dependentes de muitos interlocutores, principalmente daqueles que nem sabem muito bem o que tudo isto significa.
Falemos então destas gerações mais novas que falam cada vez pior, porque estão a perder hábitos de leitura e, consequentemente, diversidade de vocabulário e estruturas sintáticas que sustentem construções frásicas bem articuladas. Falemos também dos nossos jovens que ensaiam a entrada no mercado laboral e que, à primeira entrevista, ficam excluídos de oportunidades por não conseguirem explicar as habilitações para aquele lugar ou as motivações que os levaram até ali. Falemos igualmente de nós que, surpreendidos com uma entrevista de rua, mal conseguimos articular duas ou três frases com uma opinião que se revele capaz de construir argumentos válidos acerca daquilo que nos é perguntado. Ou, então, façamos algum silêncio para escutar as conversas banais que se soltam pelo espaço público. Resultado? Ficamos envergonhados com aquilo que ouvimos.
Quem fala bem tende a pensar bem. Quem fala bem tem uma enorme vantagem num mercado laboral cada vez mais competitivo. Quem fala bem consegue fazer valer os seus pontos de vista com mais facilidade. Quem fala bem pode, na verdade, viver melhor, porque é mais capaz de neutralizar as entropias que vão surgindo na vida de todos os dias. Ora, se todos nós admitimos as vantagens de uma boa expressão oral, por que razão não conseguimos fazer disto uma aposta do nosso ensino?
in "Jornal de Notícias" de 18 de novembro de 2016